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Emagrecimento em cápsulas

Técnica empregada na Europa dispensa a sedação e permite que o balão gástrico, usado contra a obesidade, chegue ao estômago mais facilmente

Por Giulia Vidale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h57 - Publicado em 31 jan 2020, 06h00

Pelo menos 1,9 bilhão de adultos lutam contra a balança no planeta, segundo estatística da Organização Mundial da Saúde — 100 milhões apenas no Brasil. Quase metade desse contingente não consegue emagrecer mexendo no cardápio e no estilo de vida. Para esse imenso grupo, há no mercado uma profusão de remédios e procedimentos, como a popular cirurgia bariátrica, de redução do estômago. Recentemente, surgiu uma opção intermediária, que não faz uso de remédios e dispensa a faca: a ingestão de uma cápsula que contém um balão gástrico. Até então, o balão, dispositivo que reduz o apetite por ocupar o espaço dos alimentos no sistema digestivo, era instalado apenas por endoscopia, em ambiente hospitalar. Agora, em uma visita à clínica, o paciente engole a drágea e vai para casa meia hora depois. Não é preciso sedação. O dispositivo inflável permanece no estômago por quatro meses e depois disso é eliminado naturalmente (veja o quadro). A técnica foi batizada de “bariátrica oral” — um exagero, por nada ter a ver com a cirurgia, mas um atalho que ajuda a entender o novo recurso.

O balão gástrico é hoje um dos principais meios para tratar homens e mulheres com índice de massa corporal (IMC) a partir de 27, que ainda é considerado sobrepeso. O IMC, lembre-se, é uma fórmula-padrão para calcular os quilos a mais. Divide-­se o peso (em quilos) pela altura ao quadrado (em metros). Acima de 25, há sobrepeso. Além de 30, obesidade. De 40 para cima, obesidade mórbida. A versão em pílula mais recente é chamada Elipse e encontra-se disponível na Europa. Está em fase de estudos nos Estados Unidos e não há previsão de chegada ao Brasil. Detalhe importante, se estiver considerando a pílula uma boa ideia: prepare o bolso. O valor médio da colocação equivale a 27 000 reais.

O balão gástrico faz perder peso de forma simples. Ao ocupar um espaço de até 70% no estômago, ele cria uma sensação de saciedade permanente, fazendo com que o paciente passe a consumir pelo menos metade do que ingeria antes. E os mecanismos de emagrecimento vão além. A redução da capacidade em si do órgão também mexe com hormônios ligados à sensação da fome. A sensação de saciedade diminui a grelina, composto que controla justamente o apetite.

Apesar do preço, a facilidade de colocação do balão, via oral, sem internação, tem tudo para tor­ná-lo cada vez mais acessível. Estudos recentes comprovam perda de peso muito semelhante à verificada com o uso de balões tradicionais e à dos primeiros três meses da cirurgia bariátrica. Nos últimos anos, com o avanço das técnicas de operação e o desenvolvimento de medicamentos que permitem uma convivência mais saudável com um novo corpo, deu-se uma explosão da busca pela cirurgia. Em cinco anos, a procura aumentou 47%, de acordo com as estatísticas da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), um dado que instala o Brasil no topo do ranking mundial da redução de estômago — atrás apenas dos Estados Unidos, o império global da obesidade.

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Como é natural acontecer com qualquer procedimento médico, a cirurgia, assim como a colocação do balão gástrico, tem efeitos colaterais. A perda de peso pode ter impacto biológico e comportamental, tanto que se recomenda acompanhamento psicológico e nutricional. No caso do balão gástrico em específico, o paciente pode sentir, na primeira semana de implantação, dores abdominais e náusea. Há episódios raros de rejeição, quando tem de ser retirado. “O  maior desafio, porém, é manter o peso a longo prazo”, diz a endocrinologista Erika Paniago Guedes. Como a ação do balão é puramente mecânica, não ocorre reeducação dos hábitos alimentares. Em tese, quando ele é eliminado, o apetite volta ao normal. “O paciente precisa ser informado de que não é um balão mágico nem um tratamento definitivo para a obesidade”, diz Luiz Vicente Berti, vice-presidente executivo da SBCBM. Para o endocrinologista Mario Carra, diretor do departamento de obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), trata-se apenas de “uma tentativa que pressupõe antes tentar o tratamento farmacológico”.

Curiosamente, um problema mental está na origem da descoberta do balão gástrico, nos anos 1980. Médicos alemães constataram que pacientes com distúrbios psiquiátricos que comiam cabelo perdiam mais quilos em relação aos que não apresentavam o distúrbio. Ao submeterem os doentes a exames de imagem, verificaram que a causa da redução de peso era o bolo de fios que se formava no estômago. Desde então, vários modelos de balão foram testados. Alguns eram grandes demais e impediam totalmente a passagem dos alimentos. Outros furavam com facilidade. O tipo utilizado atualmente é feito de silicone.

No Brasil, o desembarque do balão gástrico em pílula é aguardado com ansiedade. O país ocupa hoje o quinto posto na lista de cidadãos mais gordos. Em 1980, apenas 7% da população brasileira era obesa. Em 2015, eram 18% — um salto semelhante ao observado nos Estados Unidos. Mas, considerando-se apenas a última década, a taxa de obesidade por aqui cresceu em ritmo superior ao da americana. A continuar assim, estima-se que em cerca de dez anos os brasileiros possam estar tão obesos quanto os americanos. O balão em cápsula é um bálsamo, evidentemente. Mas melhor seria poder evitá-lo — com bom-senso, melhores hábitos alimentares e exercícios.

Publicado em VEJA de 5 de fevereiro de 2020, edição nº 2672

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