Dose cavalar de Ozempic é testada em estudo. Entenda seus efeitos
Pesquisadores avaliaram dosagem de semaglutida quase 8 vezes maior que a do medicamento Wegovy para tratar diabetes e obesidade

Na busca por fórmulas mais potentes para controlar a obesidade e o diabetes tipo 2, a semaglutida, princípio ativo de Ozempic e Wegovy, foi testada em doses muito mais altas que as dos medicamentos aprovados e disponíveis hoje. Em novo estudo que acaba de ser divulgado, cientistas investigaram os efeitos e a segurança de aplicações semanais de 16 mg do remédio – uma carga quase oito vezes maior que a da versão autorizada para o tratamento do excesso de peso.
Para entender o interesse e o objetivo da pesquisa em seu devido contexto, convém lembrar que a semaglutida é um remédio injetável usado uma vez por semana que imita um hormônio naturalmente fabricado pelo corpo (o GLP-1). Desenvolvido e comercializado pelo laboratório dinamarquês Novo Nordisk, ele ajuda a controlar a glicose no sangue e promover saciedade e emagrecimento.
No Brasil, a dose máxima autorizada pela Anvisa para o tratamento do diabetes tipo 2, por meio do Ozempic, é de 1 mg por semana. Para o tratamento da obesidade, a dosagem limite é de 2,4 mg – a do Wegovy.
As cargas de semaglutida avaliadas no ensaio clínico, cujos resultados foram publicados no período médico Diabetes Care, foram da ordem de 8 e 16 mg por semana. Elas não estão aprovadas para uso nem no Brasil nem em qualquer outro país. Fazem parte, por ora, de um experimento científico.
“Os autores queriam saber se doses bem mais elevadas trariam benefícios extras em termos de controle glicêmico e perda de peso sem que houvesse comprometimento da segurança”, explica o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, pesquisador da USP de Ribeirão Preto e colunista de VEJA SAÚDE.
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O que eles descobriram?
Participaram do estudo clínico de fase dois 245 pessoas com diagnóstico de diabetes tipo 2 e sobrepeso ou obesidade. Todas já faziam uso de metformina, comprimido diário que auxilia a equilibrar o açúcar no sangue.
Os voluntários foram divididos aleatoriamente em grupos que receberam semaglutida nas doses de 2 mg, 8 mg e 16 mg ou, ainda, um placebo (injeções sem princípio ativo) e acompanhados por 40 semanas.
As doses foram aumentadas gradualmente até alcançar os níveis máximos de cada turma – a fim de driblar eventuais efeitos colaterais mais intensos – e os pacientes foram monitorados com exames durante o estudo.
A primeira descoberta: todas as doses testadas ajudaram a reduzir a glicemia. Mas a diferença da dosagem tradicional de 2 mg para a de 16 mg foi relativamente pequena – não houve um ganho significativo para o controle do diabetes ao elevar tanto a dose. Isso foi comprovado através de exames de hemoglobina glicada, que dão uma média trimestral das taxas de açúcar no sangue.
“O trabalho constatou que, embora doses maiores oferecem ligeira melhora, o ganho adicional foi modesto“, comenta Couri.
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E o impacto na perda de peso?
A dose de 16 mg da semaglutida de fato mostrou-se mais potente em termos de emagrecimento, chegando a uma redução de peso cerca de 4,5 kg superior à da dose padrão de 2 mg. “Em termos percentuais, pacientes chegaram a perder quase 13% do peso total com a dosagem mais alta”, nota Couri.
Os resultados do estudo mostraram que o percentual médio de perda de peso após 40 semanas foi:
• 2% no grupo placebo,
• 7,3% com semaglutida a 2 mg
• 8,3% com semaglutida a 8 mg
• e 10,8% com semaglutida a 16 mg, considerando todos os participantes
Quando considerada apenas a análise dos pacientes que seguiram corretamente o tratamento (sem medicações de resgate), a perda de peso média com 16 mg chegou a 12,9%.
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E os efeitos colaterais?
As doses de 8 mg e 16 mg causaram mais náuseas, vômitos e diarreia do que a de 2 mg, levando muitos participantes a abandonarem o tratamento.
Além disso, surgiram casos de disestesia — uma sensação anormal na pele, como formigamento — mais comuns nas dosagens elevadas. “Esse efeito ainda não havia sido bem documentado com a semaglutida subcutânea”, afirma Couri.
O que tirar de conclusão desse estudo? “Embora as doses de 8 mg e 16 mg promovam maior perda de peso, o aumento de efeitos colaterais e o baixo ganho no controle da glicemia não justificam seu uso, especialmente considerando que essas doses ainda não foram aprovadas pelas agências regulatórias”, diz o endocrinologista.
Neste momento, outro estudo está em curso para testar a dosagem de 7,2 mg de semaglutida por semana em indivíduos com diabetes e obesidade. “É uma estratégia mais realista, com ajuste da dose conforme a tolerância individual, o que pode melhorar os resultados e reduzir os efeitos colaterais”, vislumbra Couri.