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Ganha força a ideia de tratamento precoce contra a Covid-19

Defendida pelo governo, a intervenção em fase inicial, que inclui a cloroquina, cresceu com a criação de um grupo de apoiadores do novo protocolo

Por Adriana Dias Lopes, com fotos e vídeo de Egberto Nogueira
Atualizado em 17 jul 2020, 20h36 - Publicado em 17 jul 2020, 06h00

A recente chancela do Ministério da Saúde para o tratamento precoce do novo coronavírus, logo nos primeiros sinais da doença, foi uma das decisões mais polêmicas na história da pandemia no país. Em especial pela escolha de remédios não indicados originalmente para a infeção — a azitromicina, um anti-inflamatório, e a conhecidíssima cloroquina, a droga da discórdia, antiviral usado em casos de lúpus, malária e outras doenças autoimunes. No último dia 7, o presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar ter “se sentido perfeitamente bem” ao tomar as medicações diante da suspeita de Covid-19, antes mesmo do resultado positivo. O protocolo médico ganhou adeptos (e acaloradas discussões) com a criação de um conselho científico com nomes de peso que defende a ação terapêutica.

Capitaneado pelo empresário e empreendedor social Carlos Wizard Martins, o grupo reúne cerca de 10 000 profissionais dos mais variados estados e hospitais brasileiros, imbuídos nos estudos e na divulgação do procedimento por todo o país. As diretrizes da equipe rapidamente viraram fenômeno na internet. Com o nome “Covid tem tratamento sim”, a plataforma virtual que os representa teve 4 milhões de acessos em apenas três semanas de funcionamento. Em maio, Wizard Martins chegou a ocupar a função de conselheiro informal no Ministério da Saúde, mas deixou a pasta depois de poucos e ruidosos dias. “O tratamento, infelizmente, se tornou ideológico e isso tem que acabar”, diz ele. “Perdi um sobrinho de 48 anos com Covid-19. Ele chegou a procurar auxílio médico no início dos sintomas e o mandaram para casa. Pouco tempo depois a doença se agravou de forma drástica. As pessoas não podem colocar aspectos políticos acima da vida”.

Felipe de Camargo, 29 anos (à dir.), ao lado do irmão, Marcos, 48 (Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria/VEJA)

Eles tomaram

“Fui o primeiro infectado na família, em março. Sentia uma dor tão forte que não dava para tocar no corpo. Fui internado. Em seguida foi minha mulher, Cristiane, que nunca sentiu sintoma algum. Meu irmão foi o terceiro e teve poucos sinais. Eles só foram atrás de ajuda médica depois de acompanharem o meu caso. Fomos medicados com três remédios, incluindo a cloroquina, logo no início. Deu certo.”

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O tratamento aos primeiros sinais não seria alvo de celeuma não fosse ele ancorado na cloroquina. Mas é. Aclamado quase por unanimidade no início da pandemia, o medicamento recebeu o aval da FDA, a rigorosa agência americana de aprovação de substâncias, para tratar a Covid-19 em caráter emergencial. Em junho, a autorização foi suspensa com a justificativa de que “o medicamento apresenta riscos, sem nenhum benefício aparente”. Em seguida, a Organização Mundial da Saúde interrompeu o uso da cloroquina em seus testes, depois de levantamentos minuciosos não demonstrarem sucesso garantido. E, no entanto, caminho oposto foi traçado pela prestigiosa revista científica The Lancet. Em maio, o periódico divulgou um trabalho que refutou os benefícios para a Covid-19. Um mês depois tirou a pesquisa do ar, a pedido dos autores, sob o argumento de que eles não podiam mais “garantir a veracidade das fontes de dados primárias”. A medicação ganhou antipatia de parcelas de cidadãos à esquerda ao ser defendida ardorosamente pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que afirmou ter tomado o remédio profilaticamente, como faria depois Bolsonaro. E, para bagunçar o coreto, convém lembrar que a cloroquina foi amplamente defendida por Nicolás Maduro na Venezuela. O melhor a fazer, portanto, como recomendam os médicos, é subtraí-la de toda conotação partidária. A cloroquina não deve ser levada ao palanque. No Brasil, cerca de 3 milhões de comprimidos foram distribuídos no país, fabricados pela Fundação Oswaldo Cruz e pelo Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército.

Nesta semana, a cloroquina provocou grande barulho mais uma vez. A imunologista Nise Yamaguchi, foi suspensa de suas atividades no Hospital Albert Einstein depois de uma entrevista em que fez afirmações tidas como antissemitas. Nise se desculpou do escorregão retórico, mas acha mesmo que foi punida por defender a cloroquina, porque o Einstein não chancela o uso do composto.

Alessandra Gonçalves, 45 anos, com o filho Gustavo, de 9. (Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria/VEJA)

Remédio antes do teste

“Comecei a sentir os sinais da infecção em 18 de junho: garganta irritada, dor no corpo e febre. Procurei o hospital porque estamos em uma pandemia, mas esses sintomas podiam ser muito bem de gripe. Me perguntaram se eu queria tomar as medicações e aceitei. Fiz o teste no mesmo dia. Quando o resultado positivo chegou, quase duas semanas depois, eu já estava restabelecida.”

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PLANEJAMENTO - A intensivista Ana Paula: a ação rápida com o coquetel de remédios tem trazido alguns bons resultados (Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria/VEJA)

O novo grupo multidisciplinar tem clara noção do tiroteio e montou um bom repertório a favor da distribuição da cloroquina logo no início dos sintomas, mesmo diante de argumentos contrários de reputadas instituições médicas e científicas. Um estudo com a medicação recém-divulgado pelo Sistema de Saúde Henry Ford, em Detroit, Michigan, entidade sem fins lucrativos, apresentou resultados interessantes. Foram analisados 2 541 pacientes. Entre os que tomaram cloroquina em no máximo 48 horas depois da infecção, o índice de morte foi de 13%. Entre os que não receberam, 26,4%. O método do estudo, no entanto, foi alvo de críticas, já que o grupo não tratou os pacientes aleatoriamente, mas os selecionou para vários tratamentos com base em critérios preestabelecidos. Diz Nise Yamaguchi: “Sei que o melhor caminho são os estudos prospectivos e randomizados, mas a observação de casos também oferece um patamar de evidência científica, e isso não pode ser negado, dada a urgência”.

POUCAS MORTES - Porto Feliz: uso de uma droga para vermes, a ivermectina (Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria/VEJA)

Há uma cidade feita laboratório em torno da iniciativa de ação imediata contra a doença. Em Porto Feliz, município com 52 000 habitantes no interior do Estado de São Paulo, a prática do tratamento extremamente precoce tem dado resultados positivos. Desde 21 de março, logo nos primeiros casos da doença, a prefeitura adotou um protocolo ainda mais radical. Todos os que apresentam sintomas suspeitos da infecção, mesmo sem a confirmação da doença, são medicados com três rótulos: além da cloroquina e do anti-inflamatório azitromicina, a ivermectina, droga para vermes, que poderia frear a replicação do vírus. O tratamento não é compulsório. E antes de serem submetidos ao tratamento, os moradores passam por exames de controle, incluindo a sofisticada tomografia. Dos 397 casos registrados até a última quarta-feira, 15, houve dez mortes — nenhum dos mortos havia sido tratado precocemente. “Muitos pacientes, aparentemente infectados, ficam sem o diagnóstico pela falta de testes. O número de infectados pode ser muito maior”, diz a intensivista Ana Paula Malo dos Santos. A medicação contra vermes é usada na cidade profilaticamente, com bons efeitos. As cerca de 5 000 pessoas que tiveram contato com doentes de Covid-19 e receberam a droga não se infectaram. “Essas medicações não são a solução da pandemia, mas são ferramentas relevantes, e não usá-las seria omissão”, diz o cardiologista Dante Senra, intensivista do grupo de Wizard Martins. “Procure seu médico de escolha e não seu político de escolha.” Vindo de um profissional de saúde, é conselho evidentemente razoável.

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Publicado em VEJA de 22 de julho de 2020, edição nº 2696

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