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Contra infarto, a angioplastia entra agora na era da inteligência artificial

Ela é indicada a oito em cada dez pacientes com entupimentos nas artérias do coração

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 10 ago 2024, 08h00

No início do século XX, o patologista alemão Felix Marchand (1846-1928) introduziu o termo “aterosclerose” para definir o acúmulo de placas de gordura nas artérias, uma condição que depois seria acusada de ser o principal fator por trás de um ataque cardíaco. Até 1977, a única maneira de destravar o fluxo sanguíneo obstruído nos vasos do coração era abrir o peito do paciente e operá-lo. Nesse ano, porém, outro alemão, o cardiologista Andreas Gruentzig (1939-1985), realizou, com êxito, o primeiro procedimento minimamente invasivo que serviria de alternativa a cirurgias como a ponte de safena. Acessando o sistema circulatório pela virilha, o médico introduziu um catéter com um balão, liberado e implantado na região comprometida a fim de evitar um infarto. Inaugurava-se, assim, a era da angioplastia, um caminho sem volta na medicina, que viria a imprimir segurança e agilidade na reabertura das trilhas fechadas nas artérias e daria um salto nos anos 1980 com a criação dos stents, os dispositivos milimétricos que mantêm o tráfego liberado para o coração. Agora, a chamada cardiologia intervencionista ingressa em um novo momento, com a introdução de algoritmos treinados para planejar e guiar com precisão esses procedimentos cada vez mais populares.

Quem deu um passo à frente nessa história foi o Instituto do Coração (InCor), em São Paulo, centro de referência que é o primeiro da América Latina a utilizar a inteligência artificial na angioplastia. A tecnologia usada pela instituição integra uma cooperação internacional e se destaca por oferecer camadas profundas de detalhes das artérias que auxiliam a tomada de decisão dos médicos. Por meio de dados captados por um catéter dotado de infravermelho e conectado a um exame de tomografia, a equipe consegue ter à mão informações impossíveis de se obter com o cateterismo tradicional, como a quantidade de cálcio na artéria ocluída. Além disso, o software consegue medir com acurácia o diâmetro do vaso impactado, aprimorando a escolha e a instalação do stent. “O sistema nos ajuda a avaliar todo o resultado, observar a expansão da artéria e se as hastes do stent estão bem posicionadas”, diz Alexandre Abizaid, diretor de cardiologia intervencionista do InCor.

ABRE-ALAS - Avanços: stents se adaptam melhor aos vasos sanguíneos e ampliam as chances de recuperação
ABRE-ALAS – Avanços: stents se adaptam melhor aos vasos sanguíneos e ampliam as chances de recuperação (Mohammed Haneefa Nizamudeen/iStock/Getty Images)

Trata-se de um novo capítulo numa jornada de prevenção, diagnóstico e tratamento diante da maior causa de morte no planeta. Hoje, a angioplastia é considerada o padrão-ouro na desobstrução das artérias coronárias, aquelas que irrigam o coração, salvando milhões de vidas por ano. A guerra, porém, não dá trégua. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os problemas cardiovasculares são responsáveis por cerca de 17,9 milhões de óbitos todo ano. Nos Estados Unidos, uma pessoa infarta a cada 40 segundos. No Brasil, são 400 000 mortes por ano. Para evitar desfechos tão trágicos, os médicos lançam mão de medicamentos que controlam fatores de risco como hipertensão e colesterol alto, procedimentos minimamente invasivos e cirurgias, a depender do grau de comprometimento e complexidade. “Antes do advento do stent, a única opção era fazer uma ponte de safena ou mamária, com um tempo de recuperação de sete a dez dias e taxas de morbidade mais altas”, afirma Weimar Barroso de Souza, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

O avanço na angioplastia, que já permite que pacientes sejam tratados e recebam alta do hospital no mesmo dia, foi acompanhado de uma evolução nas técnicas, materiais, calibres e comprimentos dos stents, cada vez mais aptos a evitar o reentupimento do vaso e a liberar o sangue represado em situações de emergência. Nos anos 2000, a inovação se deu com dispositivos revestidos de medicamentos, hábeis na contenção da inflamação e do estreitamento local. Amparada em tecnologia e avalizada por dezenas de estudos, a angioplastia se tornou, assim, a primeira opção de tratamento a pacientes com doença coronária instaurada, resolvendo 80% dos casos. “Na última década chegamos ao estado da arte dos stents e, agora, estamos refinando processos com métodos auxiliares”, afirma Abizaid.

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arte stent

No entanto, nenhuma inovação, sozinha, poderá deter as condições que financiam os ataques cardíacos, como obesidade, diabetes e pressão alta. “Nossa maior arma deveria ser a prevenção, até porque sabemos que 50% das pessoas infartadas morrem antes de chegar ao hospital”, diz o cardiologista Roberto Kalil Filho, presidente do InCor. A medicina está fazendo sua parte. Cabe à sociedade se conscientizar e se engajar no autocuidado.

Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2024, edição nº 2905

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