Ícone de fechar alerta de notificações
Avatar do usuário logado
Usuário

Usuário

email@usuario.com.br
Semana do Professor: Assine VEJA por 9,90/mês

Como o uso da inteligência artificial na medicina já está salvando vidas

Ferramenta está se consolidando como o melhor assistente de médicos e hospitais para acelerar diagnósticos e definir o melhor tratamento a pacientes

Por Victória Ribeiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 10 out 2025, 13h58 - Publicado em 10 out 2025, 06h00

Quando o estetoscópio foi inventado, no início do século XIX, muitos médicos torceram o nariz. A ideia de usar um tubo para auscultar o peito parecia absurda — até então, o contato direto do ouvido do doutor com o corpo do paciente era visto como essencial. Algumas décadas depois, ninguém mais se arriscaria a atender sem o aparelho. Fenômeno semelhante ocorreu com exames de imagem como o raio X e a tomografia, capazes de revelar o que antes só era acessível via bisturi. Hoje, o divisor de águas, dentro e fora de clínicas, consultórios e hospitais, é a inteligência artificial (IA). Embora ainda divida opiniões, com seus detratores anunciando uma caixa-preta de forças incontroláveis, e os defensores alçan­do-a ao posto de maior aliada da medicina no século XXI, sua utilização já não pertence a um futuro utópico ou distópico. É o aqui e agora. Ela já presta serviço à triagem de pacientes em prontos-socorros, à detecção de anormalidades em exames, à predição da evolução de pacientes internados e ao monitoramento de UTIs. É ampla lista que ainda inclui aplicativos de saúde, smartwatches e outros recursos cada vez mais presentes no cotidiano. A revolução, sem dúvida, começou — e o caminho parece não ter mais volta.

OTIMIZAÇÃO - Resultados mais rápidos: a análise de dados poupa tempo e define algumas certezas
OTIMIZAÇÃO - Resultados mais rápidos: a análise de dados poupa tempo e define algumas certezas (Drs Producoes/Getty Images)

Na prática, o mesmíssimo tipo de tecnologia que permite atender a comandos pessoais no cotidiano — como pedir a assistentes virtuais à la Alexa para tocar uma música ou a elaboração de um relatório no ChatGPT — hoje ajuda a identificar doenças e apoiar as decisões clínicas. A IA vasculha bilhões e bilhões de dados, dos prontuários eletrônicos às pesquisas, e encontra padrões que escapam aos olhos e neurônios humanos. Daí vêm seus insights e potenciais de uso. E eles já impressionam. Na renomada revista científica Nature, acabam de ser publicados os resultados de um programa chamado Delphi-2M, modelo de IA capaz de prever o risco de mais de 1 000 doenças ao longo da vida, incluindo Alzheimer, câncer e infarto. Para treinar o sistema, os pesquisadores botaram os algoritmos para trabalhar em dados de saúde de mais de 400 000 pessoas e, depois, avaliaram a precisão em outras 100 000. No acompanhamento, o programa obteve uma taxa de acerto de 76% na previsão de problemas que poderiam aparecer cinco anos depois. “Foi como ser uma criança em uma loja de doces”, resumiu a geneticista Ewan Birney, responsável pelo projeto.

No Brasil, essa história já extravasa laboratórios e o discurso dos entusiastas futuristas. Uma das primeiras aplicações, consagrada durante a pandemia de covid-19, foi no campo da radiologia, com o reconhecimento e a avaliação de exames de imagem. “A IA amplia o olhar do médico, reduz o tempo de análise e evita que detalhes decisivos passem despercebidos”, diz Marco Bego, diretor executivo do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas. Em poucos anos, o uso dos algoritmos no meio se expandiu exponencialmente. No Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, casos suspeitos de AVC — condição em que a agilidade faz toda a diferença para a sobrevivência e a prevenção de sequelas — passam por tomografias acopladas a IA que fornecem resultados em segundos, já mapeando as áreas afetadas pelo derrame. Na Rede D’Or e na Beneficência Portuguesa de São Paulo, exames enriquecidos com softwares do gênero detectam pneumonia e nódulos pulmonares invisíveis à visão dos médicos. E no Hospital Nove de Julho, também na capital paulista, o poder de imersão da IA em dados revisita todo o histórico de exames do paciente para apontar sinais iniciais de um câncer de mama. Em todas essas situações, rapidez e efetividade marcam os processos, o que vem sendo atestado por estudos. No fim, ganha o paciente e também o sistema: afinal, melhores desfechos clínicos frequentemente significam economia nas despesas e maior sustentabilidade para o setor.

PIONEIRISMO - Exames de imagem: na vanguarda da análise por computador
PIONEIRISMO – Exames de imagem: na vanguarda da análise por computador (Maciej Frolow/Getty Images)
Continua após a publicidade

Uma nova fronteira em expansão combina a IA a dispositivos médicos portáteis. No Einstein Hospital Israelita, em São Paulo, uma espécie de caneta high-tech é levada para a mesa de cirurgia para analisar na mesma hora tumores de pulmão e tireoide. Em noventa segundos, ela indica se a lesão é cancerosa ou não — algo possibilitado pelo algoritmo que compara a amostra local com milhares de outras já avaliadas. A depender do veredicto, o médico pode ou não remover a área problemática. Enquanto isso, e dentro da rede pública, cientistas da Unifesp testaram com sucesso aparelhos que, integrados à IA, permitem realizar exames de fundo de olho para antecipar o diagnóstico de retinopatia diabética, uma das principais causas de cegueira no mundo.

No dia a dia dos hospitais, além do uso massivo no diagnóstico e prognóstico de pacientes com câncer, uma das aplicações mais promissoras da tecnologia é o combate à sepse, popularmente conhecida como infecção generalizada. Ferramentas em uso têm uma acurácia superior a 80% em prever o quadro até quatro horas antes das manifestações iniciais. Tempo suficiente para intervir e evitar uma morte. Talvez o ganho mais palpável da IA para a medicina no momento seja justamente o tempo. “Conseguimos encurtar o período do diagnóstico e aumentar a assertividade do tratamento”, afirma Marcos Queiroz, diretor de medicina diagnóstica do Einstein, centro que adotou um algoritmo apto a predizer as chances de o paciente ser internado com base nos dados da triagem no pronto-socorro. Para além dos resultados em termos de sobrevivência e recuperação, especialistas veem na IA não uma forma de terceirizar o cuidado, mas de otimizá-lo. O assistente virtual ajuda o profissional a vasculhar o amplo conhecimento científico para tomar a melhor decisão e a catalogar os dados e prescrições do paciente. “Com isso, o médico tem mais tempo para se dedicar à pessoa e à sua família”, diz Queiroz.

arte IA Saúde

Continua após a publicidade

Nessa direção, muito além da saúde privada, hoje se vê a expansão da IA nos domínios do SUS. As aplicações são balizadas pelo Plano Brasileiro de Inteligência Artificial e contemplam desde diagnósticos amparados por algoritmos e planejamento de compras de medicamentos por hospitais a monitoramento de pacientes idosos. Um exemplo concreto é o Núcleo de Telessaúde de Alagoas, que acompanha gestantes de alto risco em tempo real, dispara alertas automáticos a profissionais de saúde e gerencia encaminhamentos a unidades de maior complexidade — tudo em prol da redução da mortalidade materna e infantil. Recentemente, o Ministério da Saúde anunciou o primeiro hospital inteligente do Brasil. Com investimento de 2 bilhões de reais, a unidade a ser inaugurada em três anos vai ocupar uma área de 150 000 metros quadrados no complexo do Hospital das Clínicas de São Paulo. A IA, claro, será uma das protagonistas. “A ideia é atender pacientes críticos com alta tecnologia: equipamentos de ponta, ambulâncias com conectividade, interação de dados e nenhuma fila de espera”, afirma a cardiologista Ludhmila Hajjar, coordenadora do projeto.

Em meio a um cenário em rápida evolução, o entusiasmo de uns anda lado a lado com a apreensão de outros. Para o húngaro Bertalan Meskó, conhecido como “o médico do futuro”, estamos transformando a ficção em realidade científica. E isso possibilitará que, em alguns anos, a maior parte das consultas seja guiada por IA, diagnósticos aconteçam em segundos e o clínico, liberto das tarefas burocráticas, tenha mais tempo para conectar-se com o paciente. “Não é tecnologia ou empatia. É tecnologia a serviço da empatia”, disse a VEJA. Mas há quem mantenha cautela. Computadores não são infalíveis e, na medicina, um erro mínimo pode ter consequências sérias — daí a preocupação. Uma pesquisa com 11 000 americanos, conduzida pelo Pew Research Center, mostrou a desconfiança dos pacientes em relação ao suporte ultratecnológico: 60% relataram se sentir desconfortáveis com médicos que dependem da inteligência artificial. Ainda assim, 40% reconheceram os benefícios das máquinas para a redução de falhas nos processos.

NO SUS - Hospital inteligente: iniciativa terá investimento de 2 bilhões de reais para operar com IA e aparelhos de ponta
NO SUS - Hospital inteligente: iniciativa terá investimento de 2 bilhões de reais para operar com IA e aparelhos de ponta (Marcos Santos/USP Imagens//)
Continua após a publicidade

Diante da discussão, um consenso emerge: só com formação e treinamento adequados as equipes médicas podem tirar o melhor proveito do copiloto tecnológico em cada etapa do atendimento. Talvez esse seja o maior desafio da IA: concebida originalmente por humanos, ela depende deles para dar o seu melhor, ainda que pareça ter vida própria. “A tecnologia não substitui médicos, mas potencializa seu trabalho. É como um time em que um complementa o outro”, afirma Bego. O diagnóstico atual é que, mais do que instrumento de apoio, a IA está se consolidando como um eixo da medicina. Um recurso com potencial para personalizar o cuidado, prevenir doenças e salvar vidas na rotina de consultórios e hospitais. Tão indispensável quanto o bom e velho estetoscópio.

Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2025, edição nº 2965

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

OFERTA RELÂMPAGO

Digital Completo

A notícia em tempo real na palma da sua mão!
Chega de esperar! Informação quente, direto da fonte, onde você estiver.
De: R$ 16,90/mês Apenas R$ 1,99/mês
ECONOMIZE ATÉ 28% OFF

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 10,00)
De: R$ 55,90/mês
A partir de R$ 39,99/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$23,88, equivalente a R$1,99/mês.