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Como o coronavírus afeta os relacionamentos sexuais

Com solteiros receosos de se relacionar com desconhecidos e casados estressados pela convivência, a pandemia atingiu em cheio a vida (e a libido) de todos 

Por João Batista Jr. Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 abr 2020, 16h01 - Publicado em 3 abr 2020, 06h00

Mais necessidades e menos desejos. Assim decretou a Covid-19, provocando um terremoto nos relacionamentos amorosos de todos, dos solteiros aos comprometidos. Para a primeira turma, fecharam-se abruptamente as portas e as perspectivas de novos encontros. Diante de ruas semidesertas e dos incessantes alertas sobre distanciamento social, o doce jogo do flerte amoroso virou modalidade em via de extinção, mesmo com o anabolizante de possibilidades das ferramentas digitais de paquera. Apanhadas em meio a esse deserto estão pessoas como o publicitário paulista Bruno Pavan, de 32 anos. Com o aplicativo Tinder, ele sempre teve facilidade para conhecer na vida real a garota em quem havia dado “match” no mundo virtual. Em algumas ocasiões, Pavan somava mais de um “date” na agenda por semana. Tudo mudou. Estar disponível no mercado e ser jovem não significa mais nada. “A Covid acabou com a vida sexual do solteiro”, lamenta.

SOLIDÃO - Pavan, de 32 anos: os encontros por aplicativos de paquera minguaram (Jefferson Coppola/VEJA)

Como sair de casa implica aumentar o risco de contaminação, as pessoas ficam apenas conversando nos aplicativos de encontros e pouquíssimas se aventuram a deixar o ambiente virtual. A maioria precisa se contentar com o flerte pelo celular, sonhando com o dia em que os desejos possam se concretizar ao vivo. “Se o mundo digital era uma alternativa à realidade física, agora virou o único recurso para os solteiros”, afirma Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade do Hospital das Clínicas de São Paulo. Com 340 milhões de down­loads no mundo, o Tinder mudou regras para impulsionar a paquera virtual na era da Covid. O app liberou há duas semanas o recurso “passaporte”, quando o usuário pode escolher teclar com pessoas de qualquer localidade do mundo — não apenas ao redor de sua casa. Até então, ele estava disponível para os assinantes dos pacotes Plus e Gold, com mensalidades de até 30 reais.

A quarentena afetou também o DNA do concorrente Happn, cujo diferencial é permitir a geolocalização em um raio de até 250 metros, o que facilita o encontro com crushes no trabalho, na faculdade e em outros lugares da rotina. Como pouca gente tem saído à rua, o modus operandi precisou ser reinventado. “Ampliamos o raio de encontros de 250 metros para 90 quilômetros. O objetivo é preservar a interação durante o isolamento”, disse a VEJA o francês Didier Rappaport, presidente do aplicativo. “Desde a chegada do coronavírus ao Brasil, observamos um aumento de 18% nas trocas de mensagens pelo aplicativo entre nossos usuários.” Uma enquete do Happn feita na semana passada com 430 pessoas mostrou que 75% delas consideram que o confinamento forçado permite aprofundar mais a conversa. Ironia das ironias, o que surgiu para apressar e facilitar, uma espécie de fast-food do flerte customizado onde o cliente pode escolher na prateleira as opções que se adequam mais ao seu gosto, virou o canal para um lento ritual de conhecimento mútuo no qual a troca de ideias e experiências pode provocar a combustão de uma química amorosa real e, quiçá, menos efêmera.

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FECHADO - O Bahamas, em São Paulo: impacto na prostituição de luxo (João Batista Jr./VEJA)

Diante dos infortúnios dos solteiros, surgiram memes e piadas na internet sobre uma suposta vingança dos casados — agora, só eles desfrutariam uma vida sexual ativa. Não é bem assim. Enquanto os solteiros passam sufoco diante da dificuldade de viabilizar seus desejos, quem leva a vida a dois experimenta dificuldades por ter de ficar o tempo todo sob o mesmo teto. A convivência forçada e sem respiro pode ter efeitos devastadores. Prova disso é a China, que viveu por alguns meses o confinamento agora enfrentado pelo Brasil. As cidades de Xiam e Xangai viram explodir os divórcios no começo de março, quando as regras de restrições ficaram mais frouxas: um aumento de 25% em relação aos tempos pré-coronavírus. “A convivência extrema pode causar a saturação. Maridos e mulheres correm o risco de perceber que os laços que os uniam são frágeis”, diz o psicanalista Pedro de Santi. O contrário também pode acontecer. “Na dor do confinamento, há quem descubra novos valores na pessoa com quem divide a cama.” Nem todo casal encara a quarentena da mesma forma. Famílias grandes e sem espaço físico sofrem com a falta de privacidade. “Estar perto, mas rodeado de gente, impede o surgimento de qualquer intimidade”, diz o psicanalista.

ATÉ QUE A COVID OS SEPARE – Chineses: explosão de divórcios após o relaxamento das regras de isolamento social (Denys Nevozhai/Divulgação)

O vírus invisível levou também à lona o mercado de sexo pago. Por medidas sanitárias, o famoso Red Light District, em Amsterdã, está às moscas. As mulheres que se exibiam em vitrines de casas centenárias desapareceram. Fechadas e sem arejamento, tais cabines são perfeitas para o acúmulo e a transmissão da Covid-19. A prefeitura da capital holandesa interditou esses estabelecimentos, e o sindicato das garotas de programa do país está negociando um desconto no aluguel dos pontos. No Brasil, as casas de sexo estão todas com as portas fechadas. Há três semanas, VEJA esteve no Bahamas, boate frequentada por garotas de programa de luxo em São Paulo, onde as profissionais cobram em média 500 reais pelos encontros. O cenário era desolador. Havia por lá apenas dezesseis mulheres, cerca de 20% da frequência habitual. Ao todo, somente três clientes. Com o avanço da pandemia agora a boate encontra-se fechada. Segundo o Sinthoresp, sindicato que contempla a categoria dos motéis, ao menos 50% desses estabelecimentos fecharam por tempo indefinido diante da fuga de clientes, presos em casa com suas famílias.

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Se a diversão ao vivo ficou impossibilitada, cresceu a busca pelos serviços das cam girls, como são chamadas as mulheres que fazem striptease na internet. No Brasil, existem dois sites especializados nesses serviços: o Camera Prive, com 4 000 perfis ativos, e o Camera Hot, com 800. “Meu trabalho aumentou com a quarentena. Os caras, além de prazer, buscam uma companhia para conversar”, diz Juliana Villejas, de 25 anos. O serviço funciona mediante pagamento. O cachê sobe conforme a modelo fica com menos roupa. Nas transmissões mais longas, a conta pode chegar a 300 reais. As profissionais do ramo, não necessariamente garotas de programa, viram aumentar as solicitações para que se fantasiem de enfermeiras. Alguns homens têm fetiche relacionado ao caos: pedem que elas usem máscara e luvas cirúrgicas enquanto tocam as partes íntimas. De olho no crescimento da demanda, os sites têm recrutado mais mão de obra para rechear seus catálogos prometendo rendimento de 10 000 reais por mês. Para a doutora em semiótica pela PUC Priscila Magossi, fundadora do projeto New Camming Perspective, trata-se de uma ilusão. “No começo do confinamento, o homem fica sozinho em casa e quer alguém para extravasar a tensão. Mas, à medida que passa mais tempo trancado, a libido tende a desaparecer”, avalia.

CAM GIRL - Juliana Villejas: faturamento alto em meio à crise do coronavírus (//Arquivo pessoal)

É difícil mesmo pensar naquilo com tanta tensão e receio no ar. Um estudo feito pela médica Laurie Mintz, da Universidade da Flórida, mostra que a vida sexual é afetada diretamente pelo cortisol, hormônio liberado pelo stress. O impacto dessa química foi comprovado em catástrofes anteriores. O International Journal of Disaster Risk Science quantificou a queda do apetite sexual entre as mulheres afetadas pelo terremoto de Sichuan, em 2008, que provocou a morte de 87 000 pessoas. Antes do abalo sísmico, 67% das casadas transavam de duas a quatro vezes por semana. Depois, o índice despencou para 4%. Passado o terremoto da Covid-19, especialistas temem o risco de a experiência de prazer virtual aflorada pelo confinamento se tornar preponderante na vida de algumas pessoas ou desencadear transtornos materializados em excesso de higiene e medo de germes em geral, a fim de evitar contato físico e beijos. “Nada substitui o calor e o toque da pele”, lembra o psicanalista Pedro de Santi. Para o bem da deliciosa e milenar arte dos beijos, abraços e carícias, que esta crise de saúde passe o mais rápido possível sem deixar tantos traumas e cicatrizes. Amar é preciso.

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Publicado em VEJA de 8 de abril de 2020, edição nº 2681

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