Como a inteligência artificial pode beneficiar quem sofre de enxaqueca?
Pesquisadores de Harvard desenvolveram estrutura capaz de interpretar padrões de dores de cabeça e prever bons resultados em cirurgia
A enxaqueca, dor de cabeça crônica e latejante, que geralmente dura algumas horas e pode vir acompanhada de náuseas, sensibilidade à luz, ao som e tontura, é uma patologia que atualmente atinge 15% da população mundial, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, cerca de 31 milhões de pessoas sofrem com enxaqueca – a maioria mulheres (25%), com idade entre 25 e 45 anos.
Mesmo sendo bastante conhecida, o que pouca gente sabe é que existe uma cirurgia para a desativação dos pontos-gatilho dessas dores de cabeça. Mas, como qualquer outra dor crônica, é complexo saber quem pode realizar e se beneficiar da intervenção cirúrgica, cessando ou diminuindo os quadros de dor.
Por esse motivo, um grupo de pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, publicou um estudo no qual o desenvolvimento de um sistema de inteligência artificial pode ajudar a prever e antecipar quais pacientes se beneficiarão da cirurgia da enxaqueca. “Os desenhos de padrões de dor do paciente podem prever resultados ruins na cirurgia”, afirma Paolo Rubez, cirurgião plástico, membro da BAPS (Brazilian Association of Plastic Surgeons) e da Sociedade de Cirurgia de Enxaqueca dos Estados Unidos. “Essa estrutura criada pelos pesquisadores foi capaz de interpretar automaticamente os desenhos de dor para prever os resultados cirúrgicos, o que vai ajudar cirurgiões com menos experiência, neurologistas, médicos de cuidados primários e até mesmo pacientes a entender melhor a seleção para cirurgia de dor de cabeça”, explica.
No estudo, os autores desenvolveram um algoritmo de aprendizado de máquina treinado em 131 desenhos fornecidos por pacientes de dor de cabeça, antes de serem submetidos à cirurgia de desativação do local de dor. E 24 recursos foram usados para descrever a distribuição anatômica da dor em cada desenho para interpretação pelo algoritmo. O resultado cirúrgico medido pelo cálculo da porcentagem de melhora no Índice de Dor de Enxaqueca foi feito pelo menos três meses após a cirurgia.
“A avaliação do conjunto de teste de dados demonstrou que o algoritmo foi consistentemente mais preciso do que avaliadores clínicos treinados”, explica o médico. “A inteligência artificial ponderou dor difusa, dor facial e dor no vértice da cabeça como fortes preditores de mau resultado cirúrgico. Ou seja, esse estudo indica que a análise algorítmica é capaz de correlacionar os padrões de dor desenhados pelos pacientes com os bons resultados da cirurgia e a melhora percentual do Índice de Dor de Enxaqueca com precisão de 94%”.
Realizadas em ambiente hospitalar e sob anestesia geral ou local, as cirurgias para enxaqueca podem ser de sete tipos principais, nas seguintes regiões: frontal, rinogênico, temporal e occipital (nuca). Segundo o especialista, existe um acesso diferente para tratar cada tipo de dor, sendo todos nas áreas superficiais da face, couro cabeludo ou cavidade nasal. “O princípio é o mesmo: descomprimir e liberar os ramos dos nervos trigêmeo ou occipital, que são irritados pelas estruturas adjacentes ao longo de seus trajetos”, diz Rubez.
A cirurgia pode ser feita em qualquer paciente que tenha diagnóstico feito por um neurologista de migrânea ou enxaqueca, que sofra com duas ou mais crises severas de dor por mês, que não sejam controladas por medicações; ou ainda em pacientes que sofram com efeitos colaterais dos remédios para dor e tenham intolerância a eles.
“A duração da cirurgia, para cada nervo, é de cerca de uma a duas horas, e o paciente tem alta no mesmo dia”, diz o médico. “A cirurgia da enxaqueca é responsável por diminuir a intensidade, a frequência, a duração das dores e, também, o uso de medicamentos”, acrescenta Rubez.