Com novo olhar para a menopausa, medicina traz boas promessas de alívio
Os impactos dessa fase da vida no bem-estar físico e mental são maiores do que se imaginava
É inquestionável: na história da medicina, a saúde da mulher passou séculos à margem das grandes preocupações. E, dentro de uma tradição que instalava o homem em primeiro plano, ainda que a gestação tenha sempre sido fonte relevante de estudos, o período que marca o fim da fase reprodutiva feminina foi deixado nas sombras. Só mais recentemente, na esteira de mudanças sociais e da ampliação da expectativa de vida, é que a menopausa tem recebido o devido holofote científico. É um alívio para quem tem ovários e, com a derrocada hormonal que marca o período conhecido como climatério, agora pode desfrutar de conhecimentos e recursos para mitigar os percalços físicos e psicológicos dessa etapa do envelhecimento.
O termo “menopausa”, que remete ao encerramento das menstruações, foi cunhado em 1821. Porém só a partir do fim da década de 1970 passou a ganhar a atenção do meio médico. Mesmo que algumas soluções para os incômodos dessa fase tenham começado a surgir desde então, parcela expressiva das mulheres continuou sofrendo solitariamente com ondas de calor, secura vaginal, alterações de humor e lapsos de memória. Felizmente, o cenário está mudando. Só neste mês duas das mais relevantes revistas científicas, a Nature e a The Lancet, convocaram a sociedade a refletir sobre os fardos do climatério na vida pessoal e profissional. Nesse ambiente de bem-vinda transformação, o governo americano acaba de aprovar o primeiro medicamento não hormonal contra fogachos moderados a graves, e só quem os têm é que pode tentar descrevê-los.
Cabe registrar que as mudanças no organismo feminino ocorrem, normalmente, entre os 45 e os 55 anos. Entende-se que a menopausa chegou quando se passam doze meses consecutivos sem os sangramentos mensais. Dá-se uma queda gradativa na produção do hormônio estrogênio, levando a uma série de desconfortos e riscos para a saúde. Sim, o processo vai muito além do fim do ciclo de fertilidade. O estrogênio atua como fator de proteção em diferentes frentes, e uma das principais é a cardiovascular. Sem o hormônio feminino, o envelhecimento e o enrijecimento das artérias se acentuam e os níveis de colesterol e pressão arterial tendem a subir. Ou seja, as mulheres ficam mais vulneráveis a infartos e derrames. Nesse enredo, a gordura passa a se acumular mais no abdômen e também cresce a propensão ao diabetes. Tudo junto e misturado, temos uma bomba para o coração. Tanto é que dois alertas recentes, publicados pela Sociedade Europeia de Cardiologia, evidenciam que a hipertensão é a causa de morte número 1 em mulheres com o avançar da idade e os ataques cardíacos nelas tendem a ser mais letais que nos homens. A lista de dissabores não para aí: na ausência do estrogênio, a libido desaba e os ossos enfraquecem.
Os desafios físicos não são poucos, e ainda há os suplícios psíquicos e emocionais. E eles protagonizam outra virada nos estudos da menopausa. Durante anos, sintomas de ansiedade e depressão típicos desse momento foram menosprezados, no limite atribuídos a uma fase de transformações na jornada da mulher. Ora, é na meia-idade que muitas delas sofrem com o desgaste dos relacionamentos, as separações ou mesmo a síndrome do ninho vazio, quando os filhos crescidos saem de casa. Fora isso, subsiste a pressão social para manter a aparência jovem e o vigor no trabalho.
Demorou a cair a ficha da ciência de que o turbilhão não tinha origem apenas nas emoções à flor da pele. Ou não se devia apenas à aposentadoria dos ovários. Com o climatério, ocorrem, como se descobriu, mudanças inclusive neurológicas. “A noção do cérebro no comando da menopausa é um conceito totalmente diferente”, diz Hadine Joffe, pesquisadora da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
Esse novo olhar foi o ponto de partida para que, após trinta anos de estudos, surgisse um medicamento inédito para tratar as ondas de calor, que atingem cerca de 80% das mulheres. Trata-se do fezolinetant (Veozah), um comprimido que age na raiz do problema, inibindo uma substância química no cérebro que atua na regulação da temperatura corporal. Antes da menopausa, essa molécula interage em equilíbrio com o estrogênio. Quando o hormônio cai, tem início a tal desregulação que desencadeia sudorese, rubor e até calafrios. O novo medicamento busca apaziguar o descompasso bioquímico, sendo alternativa a pessoas que não podem ou não querem fazer a terapia hormonal — como aquelas com histórico de doenças cardiovasculares e tumores.
A reposição de hormônios é um capítulo polêmico no enfrentamento da menopausa. Apesar de ainda suscitar tabus, inclusive entre médicos, ela tem indicações bem-vindas — tudo depende do momento certo da prescrição, em geral nos primeiros anos do climatério. Os receios com o tratamento vieram à tona após um estudo populacional americano apontar, em 2002, uma associação com o aumento nos casos de câncer de mama. No entanto, outras pesquisas revisitaram os dados e o assunto e concluíram que a reposição não deve ser riscada do arsenal terapêutico. Pelo contrário, quando bem recomendada, seus benefícios superam eventuais riscos. O ponto pacífico é sempre individualizar a indicação, considerando a maior ou menor propensão a tumores, por exemplo.
Até porque não faz sentido deixar alguém penando anos com os sintomas do climatério e suas repercussões na qualidade de vida. Tal bandeira ganhou força diante do entendimento de que o período pós-menopausa representa muitas vezes um terço da vida das mulheres. “Com o aumento da longevidade, a queda dos hormônios femininos e seus efeitos ocorrem em um período de grande produtividade, causando prejuízos ao trabalho e às funções sociais e familiares”, analisa o médico Luciano Pompei, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Deve-se sublinhar, de fato, o impacto social e econômico. Um estudo realizado pela Clínica Mayo com dados de 4 440 mulheres americanas no mercado de trabalho revela que 11% delas faltaram um ou mais dias ao emprego por sintomas da menopausa e 13% relataram adversidades no exercício profissional. Ao fazer as contas, os cientistas descobriram que o custo anual com a perda de horas de trabalho é de 1,8 bilhão de dólares. Com despesas médicas somadas, o montante sobe para 26,6 bilhões de dólares.
Não surpreende, assim, o movimento para encontrar saídas a fim de amenizar um conjunto de empecilhos que afeta não só o dia a dia de uma cidadã como todo um ecossistema — ainda mais quando se considera que nem sempre as pacientes dispõem do suporte médico adequado e contam com o acolhimento da empresa e da sociedade. Atentos às demandas reprimidas, pesquisadores e empreendedores têm investido para suprir as necessidades das mulheres na menopausa. Ainda em testes, um equipamento semelhante a um smartwatch desenvolvido por brasileiros demonstra potencial para refrescar o corpo durante os fogachos. Suplementos à base de fitoestrogênios, elementos presentes em plantas com a mesma ação do hormônio, são investigados e adotados. E, para o ressecamento vaginal que boicota a vida sexual, cremes lubrificantes e sessões de laser viraram opções cada vez mais disseminadas.
Em artigo no The Lancet, especialistas enfatizam a necessidade de reparar o abismo histórico e a falta de conscientização que levam a população a associar a menopausa apenas a ondas de calor e desânimo. Não, ela é um momento-chave para acompanhar, detectar e controlar pressão alta, diabetes e outros fatores por trás da principal causa de morte no planeta, as doenças cardiovasculares. E também um convite para mudar os hábitos. “As mulheres devem se concentrar numa rotina de exercícios regulares e dieta saudável, evitando o álcool e não fumando”, orienta a médica Jewel Kling, da Clínica Mayo. Ninguém deve sofrer mais em silêncio. A medicina aprendeu a dar voz (e soluções) a quem atravessa a menopausa. Afinal, a vida não pode parar.
Publicado em VEJA de 24 de maio de 2023, edição nº 2842