Os clareadores dentais não têm venda restrita no Brasil, desde que sejam registrados pela Anvisa. Mesmo assim, se usados sem orientação, podem resultar em sequelas
Kits de clareamento dental, à venda por valores que variam entre 100 e 200 reais, parecem simples de usar e inofensivos. A empresária carioca Cristiana Marroig, 28 anos, acreditou na promessa de dentes mais brancos e acabou comprando uma caixa com o kit clareador em um dos shoppings mais tradicionais do Rio de Janeiro. Em apenas dois dias, os resultados apareceram. Mas não os que ela esperava. O produto trouxe gengivas inflamadas, sangramento e manchas em toda a arcada dentária. O gel e a moldeira usados por Cristiana não foram aprovados por um dentista. A venda do produto, liberado para o comércio no Brasil, também não foi devidamente supervisionada. O pequeno experimento da empresária por pouco não terminou em uma série de sequelas graves e irreversíveis – e em muita dor. Com um agravante: tudo estava devidamente dentro da lei.
O material pode ser comprado pela internet ou em lojas especializadas. Alguns kits são mais completos e já vêm, além do gel clareador, com uma moldeira que, após amolecida em água quente, pode ser encaixada na arcada dentária. Em seguida, basta colocar um punhado do gel da bisnaga e encaixar na boca. O processo, contudo, é desencorajado pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO), que considera a prática uma autoprescrição tão perigosa quanto o consumo indiscriminado de medicamentos. “O teor abrasivo desses clareadores é perigoso quando usado sem orientação profissional. Ele pode danificar o esmalte do dente”, diz Marcos Luis Santana, do CFO.
Riscos – Os riscos do clareamento dental caseiro sem orientação são muitos. Vendido em concentrações variadas, o peróxido de carbamida (substância do gel) tem de ser administrado de acordo com as necessidades pontuais de cada paciente. Um gel muito forte pode ser agressivo e doloroso para uma pessoa com dentes muito sensíveis, por exemplo. De acordo com Mauro Piragibe, da Associação Brasileira de Odontologia (ABO), há grandes chances do produto vazar da moldeira e entrar em contato com as mucosas da boca. Ele pode causar perda de papila (gengiva entre os dentes), retração de gengiva (deixando a raiz à mostra) – ambos reversíveis apenas com enxerto -, inflamações da bochecha e dos lábios e até piorar casos de gastrite e úlcera gástricas. “Isso acontece porque a moldeira não é bem feita. Para esse tipo de tratamento, ela precisa ser feita dentro de um consultório, de maneira personalizada, com o formato exato dos dentes do paciente. Só assim os riscos do gel vazar são mínimos”, diz.
Sem controle – Os clareadores dentais não têm venda restrita no Brasil, desde que sejam registrados pela Anvisa. Para conferir, basta se certificar que o produto tenha o símbolo do órgão federal na embalagem. Apesar de ser facilmente encontrado em sites de venda na internet, algumas lojas especializadas só comercializam os produtos para dentistas com registro profissional. Mas fazem isso somente em cumprimento a uma recomendação do Conselho Federal de Odontologia, sem força de lei. O CFO requer há muito tempo que a venda seja feita exclusivamente a especialistas da área.
Em julho de 2009, a diretoria do conselho enviou um ofício à Anvisa solicitando novos estudos sobre a comercialização dos clareadores. “Queremos que seja criada uma Câmara Técnica de Discussão sobre a Odontologia. Um local específico para se discutir a venda de produtos e materiais de uso odontológico”, diz Marcos Luis Santana, que representa o CFO na Anvisa. O órgão federal, em resposta, afirmou que tal instância para discussão já existe e é representada pela Associação Brasileira de Odontologia. “Mas queremos algo específico que discuta mais de perto o problema da venda desses produtos. Estamos preparando um segundo ofício para pedir uma reunião com a diretoria da Anvisa”, diz Santana.
No consultório – Há dois tipos de clareamento mais seguros, ambos feitos sob a supervisão de um dentista. O primeiro deles, chamado de caseiro, tem basicamente o mesmo princípio do que vem sendo feito sem orientação, mas, além de contar com uma moldeira feita por um protético, o paciente usa o gel na concentração indicada pelo dentista. “Em alguns casos a pessoa não tem nem indicação para o clareamento, simplesmente porque o dente dela não vai clarear ou porque ela tem cárie, machucados na gengiva, restauração, tártaro ou alergia ao produto”, diz Carlos Rocha Gomes Torres, professor da Faculdade de Odontologia da Unesp de São José dos Campos. Mas há casos mais delicados. Algumas pesquisas apontam, por exemplo, que, se o fumante fizer clareamento, o produto pode aumentar as chances de câncer de boca.
Já o clareamento com o uso de laser ou de LED (uma tipo de luz alternativa ao laser) é mais indicado aos indivíduos que esperam um resultado mais rápido. O uso de luz, no entanto, pode estar com os dias contados. Segundo Mauro Piragibe, da ABO, há estudos em andamento que mostram que o uso de luz pode aumentar, em média, 2˚C a temperatura da polpa do dente. “Pesquisas recentes apontam que isso pode causar danos futuros”, diz o especialista.