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Ciência identifica relação entre bactéria da boca e Alzheimer

A infecção bucal pode levar a maior produção de beta-amiloide, proteína que se acumula no cérebro dos doentes

Por Redação
Atualizado em 4 jun 2024, 16h04 - Publicado em 28 jan 2019, 17h26

Há anos cientistas tentam entender as causas do Alzheimer, assim como encontrar melhores formas de prevenir e curar o problema. Agora uma nova descoberta indica uma ligação de causalidade entre a periodontite e o desenvolvimento da doença neurodegenerativa. De acordo com estudo publicado na revista Science Advances, a infecção bucal provocada pela bactéria Porphyromonas gingivalis pode levar a maior produção de beta-amiloide — proteína que se acumula no cérebro de pacientes com Alzheimer. Encontrada na boca, a bactéria prolifera pela má higiene e pode causar periodontite, doença que afeta tecidos ao redor dos dentes.

A pesquisa chegou a essa conclusão depois de identificar enzimas ligadas à bactéria P. gingivalis no cérebro de pacientes mortos que tiveram Alzheimer — e material genético ligado à bactéria foi encontrado em pacientes vivos. Os pesquisadores ainda fizeram testes em camundongos para demonstrar que a presença do microrganismo é um fator de risco para a demência. A equipe também desenvolveu uma medicação cujo objetivo era diminuir os efeitos negativos causados pela bactéria.

Os resultados indicaram que, pelo menos em ratos, o medicamento é capaz de reduzir a neurodegeneração cerebral, o que aponta para uma forma em potencial de combate ao Alzheimer. “A principal conclusão do estudo é que há uma quantidade significativamente maior de enzimas bacterianas tóxicas no cérebro de pacientes com Alzheimer, e a atividade tóxica das enzimas pode ser bloqueada com uma droga”, disse Stephen Dominy, principal autor do estudo.

‘Uma ótima notícia’

Pesquisa anterior publicada no periódico Plos One já havia apontado que pacientes com Alzheimer que tinham a infecção oral apresentaram declínio cognitivo ao longo de um período de seis meses em comparação com outro grupo de participantes que também tinham Alzheimer, mas não a doença bucal. O novo estudo, patrocinado por uma farmacêutica americana, conseguiu apontar uma causalidade entre os dois problemas.

Para chegar a essa descoberta, os pesquisadores infectaram camundongos com a bactéria causadora da periodontite e notaram um aumento da proteína beta-amiloide no cérebro dos animais. Usando um composto chamado COR388, os cientistas foram capazes de reduzir a carga bacteriana, o que ajudou não só a bloquear a produção da beta-amiloide como auxiliou na proteção dos neurônios no hipocampo — região cerebral responsável pela memória. Segundo Dominy, essa é a primeira vez que evidências sólidas foram encontradas ligando a P. gingivalis o Alzheimer. 

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Outro fato importante destacado por especialistas é a produção de uma droga experimental capaz de evitar o aumento dos níveis de uma das proteínas associadas ao Alzheimer. “É uma ótima notícia que um teste recente mostrou que esse medicamento é seguro. Além disso, o estudo fornece algumas evidências de que o composto pode afetar as proteínas relacionadas ao Alzheimer”, comentou Tara Spiers-Jones, da Universidade de Edimburgo, na Escócia, à CNN.

Apesar disso, os pesquisadores ressaltam que a P. gingivalis também pode ser encontrada em níveis baixos em 25% das pessoas que não têm nenhuma doença bucal, portanto, serão necessárias mais investigações para compreender essa ligação com maiores detalhes. Tara ainda destaca a importância de realizar testes clínicos para verificar se os resultados podem ser aplicados em pacientes que já convivem com a doença.

Críticas

Embora diversos estudos tenham demonstrado a relação entre a periodontite e demência, especialistas afirmam que os estudos sobre os principais fatores de risco para o desenvolvimento de Alzheimer não apontam essa doença bucal como uma grande preocupação. “O trabalho de laboratório (do novo estudo) sugere que esta infecção pode causar danos às células do cérebro, mas ainda não há provas claras de que pode causar esse dano em pessoas ou resultar em Alzheimer”, alertou James Pickett, da UK Alzheimer’s Society, no Reino Unido, à CNN.

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Já Rogério Panizzutti, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), disse que é preciso investigar mais as conexões entre Alzheimer e agentes infecciosos. Isso porque, por vários motivos — má alimentação ou dificuldade em manter a saúde bucal, por exemplo — pacientes com Alzheimer poderiam desenvolver a bactéria (e não o contrário). “O desafio do campo é observar se existe relação causal entre uma infecção bacteriana ou viral e o Alzheimer. Esse estudo avança ao usar modelos animais, nos quais consegue sugerir causalidade. Mas ainda não dá para ter certeza de que a causalidade vai acontecer em humanos”, explicou.

O neurologista Ivan Okamoto pondera que o estudo é inicial. “Sabemos como acontece a morte das células (no cérebro do paciente com Alzheimer), mas não sabemos qual o estímulo para isso”, diz o especialista da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. “É preciso ter cuidado para não criar falsas expectativas. Como se dar um antibiótico fosse curar a doença”, alertou.

Para Daniel Ciampi, neurologista do Hospital Sírio-Libanês, é provável que vários fatores estejam envolvidos em quadros de demência, e o estudo é “mais uma pista para pensar a doença”. Segundo ele, embora não seja possível concluir que infecções na boca causam o Alzheimer, manter a higiene está longe de ser algo em vão. “Um dos pilares do tratamento é ter uma saúde oral adequada. É como se tirasse um stress inflamatório da jogada. E o paciente pode ter uma melhora parcial”, concluiu.

(Com Estadão Conteúdo)

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