Câncer de próstata é mais grave em negros: saiba o que a ciência diz
Fatores genéticos existem, mas desigualdade social também é um contribuinte de peso
O câncer de próstata é o segundo tipo de tumor mais comum entre os homens e a segunda principal causa de morte relacionada a esse tipo de doença no Brasil. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), espera-se que, entre 2023 e 2025, cerca de 72 mil novos casos sejam diagnosticados anualmente. E as pessoas negras estão entre os grupos mais afetados.
Trabalhos em vários locais do mundo já mostraram que populações de ascendência africana têm uma maior propensão a desenvolver a doença, maior risco de quadros agressivos e uma maior chance de morrer em decorrência disso. Nos Estados Unidos, onde os números são mais bem consolidados, a probabilidade de diagnóstico é 70% maior entre os negros e o risco de óbito é mais do que duas vezes superior ao observado em pacientes de origem caucasiana.
No Brasil, não existem números oficiais que verifiquem a prevalência da doença em pessoas de origem africana, mas um levantamento realizado pela seção de São Paulo da Sociedade Brasileira de Urologia revela uma disparidade. “O que nós vimos é que indivíduos negros e pacientes que chegam pelo Sistema Unico de Sáude (SUS) têm maior índice de doenças mais agressivas e mais avançadas em comparação com pacientes brancos e nipobrasileiros”, diz o líder do Centro de Referência em tumores urológicos do A.C. Camargo Cancer Center, Stênio Zequi.
A relação entre etnia e algumas neoplasias não se restringe ao câncer de próstata. O câncer de pele, por exemplo, é mais comum em populações brancas, enquanto neoplasias de estômago são muito frequentes em japoneses. A diferença é que, nesses casos, a correlação é bem estabelecida – pessoas com menos melanina são mais suscetíveis a danos causados pelo sol e o consumo de alimentos defumados aumenta o risco da doença no trato digestório. Por outro lado, a causa da maior prevalência do tumor de próstata em pacientes negros ainda é uma incógnita – resultado, diga-se, da falta de pesquisas científicas inclusivas.
Nos Estados Unidos, o Instituto Nacional de Saúde (NIH, na sigla em inglês) oferece uma bolsa especial de pesquisa para investigar essa disparidade. Os resultados estão começando a aparecer e surpreendem: existem, de fato, diferenças genéticas entre os tumores de próstata desenvolvidos pelos negros e pelos brancos, mas, de acordo com os trabalhos, não são profundas o suficiente para justificar as disparidades no diagnóstico. “A maioria dos estudos atuais sugere que essas diferenças se devem principalmente a determinantes sociais da saúde, como o acesso aos planos privados”, afirma a Diretora de Patologia Urológica do Hospital John Hopkins, Tamara Lotan, em entrevista a VEJA.
Isso fica bem claro em uma das publicações mais recentes. Divulgada no periódico científico Journal of Clinical Oncology, a pesquisa realizada em um hospital de Los Angeles mostra que pacientes negros e brancos com o mesmo acesso à saúde respondem de maneira igual ao tratamento para a forma avançada da doença. “Foi interessante descobrir que quando os homens negros e brancos tiveram acesso igual às mesmas terapias, administradas na mesma dosagem e monitorizados no mesmo ambiente, as disparidades nos resultados foram eliminadas”, afirmou, em comunicado, o autor do artigo, Jun Gong.
Mais estudos precisam ser realizados para elucidar essa questão por completo. O fator biológico ainda não pode ser descartado, mas a influência de questões comportamentais, ambientais e sociais devem ser levadas em consideração, em especial no Brasil. Por aqui, um boletim divulgado pelo Ministério da Saúde apontou que o racismo ainda dificulta o acesso à saúde e influencia a qualidade do serviço oferecido a pessoas negras.
“Essa população precisa ser extremamente educada em política de saúde – ela tem que ser alvo da nossa atenção, não só na questão médica, mas na questão da informação”, afirma Alfredo Canalini, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia.
Prevenção
No final de outubro, o Ministério da Saúde e o Inca divulgaram um documento orientando o não rastreio populacional para essa doença, visto que muitos dos tumores são inofensivos e que o diagnóstico precoce não está necessariamente relacionado a diminuição das mortes. Muitos especialistas, contudo, recomendam que pessoas com idade superior aos 45 anos busquem um especialista para discutir a necessidade de fazer os exames.
Não existe, por enquanto, uma maneira efetiva de evitar o câncer de próstata, mas conhecer os fatores de risco pode ajudar. O principal deles é o envelhecimento. Pessoas obesas ou que tenham parentes que desenvolveram a doença também precisam ficar mais atentas. “Diagnóstico precoce é, sim, um salvador de vidas”, diz Canalini.