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Brasileiros decifram ação de corticoides no combate à inflamação por Covid

Descoberta de novos mecanismos do fármaco abre possibilidade de tratamentos para outras doenças inflamatórias e neurológicas graves

Por Julia Moióli, da Agência Fapesp
Atualizado em 4 jun 2024, 11h17 - Publicado em 14 mar 2023, 10h44

Desde o início da pandemia de Covid-19, os corticoides, também conhecidos como glicocorticoides (GCs), têm se estabelecido como uma das principais opções de tratamento – especialmente em casos graves – por sua ação anti-inflamatória e imunossupressora. Agora, pesquisadores brasileiros acabam de descobrir novos mecanismos de ação desses fármacos no controle da resposta inflamatória do organismo durante a infecção: eles aumentam os níveis de endocanabinoides (eCB), moléculas produzidas pelo próprio organismo que se ligam ao mesmo receptor do canabidiol, e diminuem a concentração no plasma de um mediador lipídico conhecido como PAF (sigla em inglês para fator de ativação de plaquetas), que regula a coagulação. Os resultados do estudo foram publicados na revista Viruses.

“Como os endocanabinoides têm funções neurológicas e anti-inflamatórias, nossa ideia era investigar se pacientes com sintomas leves de Covid-19 apresentavam maior proteção graças à produção natural dessas moléculas e se nos casos graves os níveis eram menores, causando inflamação exacerbada e, consequentemente, internações em UTI [Unidade de Terapia Intensiva]”, explica Carlos Arterio Sorgi, professor do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP) e coordenador do trabalho.

Outro objetivo do estudo, que contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), era saber se o PAF era mais presente nas manifestações mais sérias de Covid-19, estimulando a coagulação sanguínea e a formação de microtrombos. Para essa análise, o grupo usou a infraestrutura do Centro de Excelência de Quantificação e Identificação de Lipídios (CEQIL) da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP), adquirida com apoio da fundação no âmbito do programa Equipamentos Multiusuários (EMU).

Por meio de espectrometria de massa de alta resolução, no entanto, os pesquisadores observaram o oposto do esperado: os pacientes graves apresentavam níveis de endocanabinoides aumentados e de PAF reduzidos no plasma sanguíneo.

Para entender essas descobertas, foi necessário analisar detalhadamente cada dado de um grande grupo de pacientes com sintomas leves e graves, em tratamento domiciliar, na enfermaria ou em UTI, bem como todos os seus parâmetros clínicos e manejos farmacológicos. Em seguida, foram aplicados a essas informações testes estatísticos multivariados.

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“Entendemos, então, que não era a doença a responsável por aumentar os endocanabinoides e diminuir o PAF, mas, sim, o tratamento com os corticoides”, diz Sorgi. “Embora o mecanismo clássico da farmacologia dessa classe de medicamentos já fosse amplamente conhecido, seus efeitos nessas biomoléculas nunca haviam sido demonstrados na literatura.”

A análise do transcriptoma de leucócitos sanguíneos (conjunto de RNAs expressos por essas células de defesa) dos pacientes tratados com corticoides também mostrou expressão gênica diferenciada de monoacilglicerol lipase e fosfolipase A2, revelando que os corticoides podem alterar a atividade de enzimas envolvidas no metabolismo dos mediadores lipídicos analisados.

Novos tratamentos

Os achados abrem possibilidades futuras de tratamentos à base de corticoides não só para Covid-19 como para outras doenças inflamatórias e neurológicas graves. Também indicam que os canabinoides – naturais ou artificiais – possivelmente podem funcionar como uma terapia coadjuvante. “Unir os efeitos dos dois compostos criaria o melhor cenário possível”, acredita Sorgi.

As próximas rodadas de estudos devem envolver pacientes com outras doenças virais, como a gripe, para analisar se nesses casos a produção de tais biomoléculas lipídicas também é alterada pela ação dos corticoides. Além disso, será investigado se o organismo mantém a mesma capacidade de produção de endocanabinoides após a vacinação contra a Covid-19 e na convalescença da doença.

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“Temos interesse ainda em fazer associações com grupos que trabalhem com canabidiol para testes em modelos experimentais animais, já que agora estamos em uma fase diferente da Covid-19”, diz Sorgi.

O trabalho faz parte do consórcio ImunoCovid, que envolve, além do departamento de Química da FFCLRP-USP, os departamentos de Análises Clínicas, Toxicológicas e Bromatológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP), de Bioquímica e Imunologia, de Cirurgia e Anatomia e de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP-USP).

Também participaram cientistas do Departamento de Genética e Evolução do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal de São Carlos (CCBS-UFSCar), do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Ribeirão Preto e do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Amazonas (ICB-UFAM). A primeira autoria é dividida por um bolsista Fapesp de Iniciação Científica, Jonatan Constança Silva de Carvalho, uma aluna de doutorado, Diana Mota Toro, e os doutores Pedro Vieira da Silva-Neto, Carlos Alessandro Fuzo e Viviani Nardini, da USP de Ribeirão Preto.

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