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Brasileira descobre como vírus da covid-19 engana sistema imunológico

Cientista de Harvard identificou mecanismo que permite ao patógeno escapar das células de defesa -- o que abre caminho a novas estratégias terapêuticas

Por Diogo Sponchiato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 Maio 2024, 12h49 - Publicado em 29 abr 2024, 11h37

Por que o coronavírus consegue driblar a imunidade de alguns indivíduos, inclusive saudáveis, semeando estragos, internações e até mortes? Essa pergunta ganhou contornos pessoais para Marcella Regina Cardoso. Em 2021, quando as vacinas ainda não estavam disponíveis no Brasil, a cientista, que estava terminando seu doutorado na Harvard Medical School, nos EUA, perdeu o pai para a doença.

A dor e o faro científico instigaram Marcella a pedir autorização à prestigiada instituição americana para comandar uma linha de pesquisa sobre os possíveis mecanismos utilizados pelo Sars-CoV-2 para escapar das forças de segurança do organismo. Anos de dedicação da ph.D., que até então estudava o potencial da imunoterapia contra o câncer de mama, renderam resultados surpreendentemente significativos.

Marcella e o time de Harvard, em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), desvendaram uma via orquestrada pelo vírus da covid-19 para enganar nosso sistema imunológico e ser bem-sucedido na infecção e na replicação viral. Os achados acabam de ser publicados na revista acadêmica Cell, um dos três periódicos de maior impacto no planeta, ao lado de Nature e Science.

“Depois que meu pai morreu, pensei: por que não usar minha bagagem intelectual, capacidade criativa e senso crítico para fazer a diferença nessa história?”, conta a cientista, formada em ciências biológicas na UFSCar e mestra e doutora pela Unicamp. Marcella se debruçou sobre um painel de dados genômicos e moleculares do agente da covid-19 até reparar numa pista preciosa.

“Nós identificamos uma proteína acessória do coronavírus que lhe possibilita escapar de células de defesa conhecidas como natural killers (NK), as assassinas naturais, que estão na linha de frente da imunidade”, resume a autora do trabalho.

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Marcella Cardoso no laboratório de pesquisa: dedicação incansável (Foto: Acervo pessoal/Reprodução)
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Estratagema evolutivo

Quando ocorre uma invasão viral, as células infectadas tendem a expressar, em sua superfície, proteínas que sinalizam para o organismo que há algo errado ali. Trata-se da MIC-A e da MIC-B, duas dedos-duros que chamam a atenção do nosso exército imunológico. Identificando essas proteínas, as unidades NK são recrutadas até as células tomadas pelo vírus e as atacam, num rompante para deter a infecção.

É assim que se espera que as coisas funcionem. Acontece que o Sars-CoV-2 tem uma carta na manga para contornar essa operação. “Ele possui uma proteína acessória, a ORF6, que, quando o vírus se abre dentro da célula, vai até as MICs e as varre de lá”, expõe Marcella. “Com isso, as natural killers não conseguem reconhecer a célula infectada e não podem combater a infecção.”

A descoberta veio à tona após uma série de experimentos, envolvendo mapeamento de genes e proteínas virais, análise de amostras de pacientes com covid-19, boa parte delas vindas do Brasil, e testes com células pulmonares e camundongos. “A avaliação do soro dos pacientes nos ajudou a entender a associação entre a resposta imunológica e os desfechos daquelas pessoas adoecidas pela covid-19”, diz Marcella.

Os dados obtidos sugerem que, a despeito da variante, o coronavírus se vale desse mecanismo para fugir da imunidade. Algo que só reforça a importância da vacinação, que dá subsídios ao corpo humano para montar uma resposta de defesa ao patógeno.

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Informações valiosas

Os resultados da pesquisa publicada na Cell — que envolveu o Hospital Geral de Massachussetts, o MIT e Harvard, sob a supervisão dos professores Wilfredo Garcia-Beltran e Julie Boucau, e teve coautoria de Jordan Hartmann — abrem caminho a um entendimento de como um vírus de potencial pandêmico, como os coronavírus, aprende a evoluir para evadir-se do sistema imunológico de mamíferos. Trata-se de um achado relevante para buscar novos alvos terapêuticos ou formas de interromper a cascata infecciosa.

“E que ganha importância se pensarmos que tudo leva a crer que enfrentaremos novas pandemias”, afirma Marcella.

O grupo de Harvard, inclusive, já deu um passo além, pelo menos no que diz respeito ao Sars-CoV-2. “A partir dos testes realizados, percebemos que existe um anticorpo monoclonal, um medicamento em fase pré-clínica, que consegue inutilizar essa via de escape do vírus”, revela Marcella. “Ele se liga às proteínas MIC e impede que a ORF6 consiga tirá-las de lá.”

O remédio está em fase experimental, mas talvez ofereça uma saída para evitar que pacientes infectados de maior risco se agravem quando internados. Essa é, ainda, uma das “dores” da covid-19, muito embora a vacinação reduza as chances do perigo.

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No fim das contas, conhecer, com detalhes moleculares, como o vírus pode nos enganar é crucial para saber como dominá-lo de uma vez por todas.

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