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Biomarcadores podem ajudar no diagnóstico da bipolaridade depressiva

Pesquisadores brasileiros identificaram oito biomarcadores que se mostraram capazes de diagnosticar o transtorno com alta sensibilidade e especificidade

Por Maria Fernanda Ziegler, da Agência Fapesp
6 ago 2024, 12h37

Na prática clínica, diferenciar a depressão no transtorno bipolar da depressão unipolar pode ser um grande desafio, visto que os sintomas depressivos são a parte central de ambos os transtornos. Por esse motivo, pesquisadores têm buscado biomarcadores que possam auxiliar no diagnóstico clínico.

Estudo brasileiro divulgado na revista Psychiatry Research representa um avanço nesse sentido. Assinado por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o trabalho descreve um painel de biomarcadores sanguíneos – relacionados com o mecanismo de edição de moléculas de RNA – que possibilitou discriminar com precisão pacientes com o transtorno bipolar ou com depressão. O resultado, segundo os autores, abre caminho para a criação de um exame de sangue que poderia dar suporte ao diagnóstico clínico.

A pesquisa é fruto de uma parceria com cientistas franceses ligados ao Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) e com a empresa de medicina personalizada Alcediag. O grupo da Unifesp é apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por meio de seis projetos.

Edição de RNA

Embora exista a tendência de elevar o DNA a protagonista quando se trata de questões genéticas, existem outros atores importantes nesse contexto. É o caso dos RNAs. Para que a mensagem do DNA seja acessada, ela precisa ser transcrita (ou copiada) na forma de um RNA mensageiro, que vai orientar a síntese de uma proteína.

Durante a transcrição do gene e a produção de proteínas, podem ocorrer modificações na estrutura da molécula de RNA. Esse processo de edição é mediado principalmente por duas enzimas, a RNA editing 1 e a RNA editing 2. Elas modificam a sequência de ácidos nucleicos e, consequentemente, alteram o tipo de proteína produzida – e tudo isso ocorre sem que haja qualquer alteração na sequência do DNA, que é o material genético herdado dos pais.

Por bioinformática é possível mapear o total de modificações que ocorreram nas sequências de RNA do paciente, conta à Agência Fapesp Mirian Hayashi, professora do Departamento de Farmacologia da Escola Paulista de Medicina (EPM-Unifesp) e coordenadora da pesquisa no Brasil.

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“Cada uma dessas enzimas [RNA editing 1 e RNA editing 2] tem um padrão de edição e, ao analisar o sangue, é possível verificar o padrão de edição de RNA do paciente. Como é muito difícil acompanhar o funcionamento das enzimas, verificamos o produto alterado [modificações específicas na sequência do RNA]. Chegamos assim a um painel com oito biomarcadores, que seriam o padrão de edição de RNA capaz de diferenciar os pacientes. Como sabemos qual é o padrão para o transtorno bipolar e para a depressão, é possível usar esses biomarcadores como um suporte ao diagnóstico desse transtorno”, afirma.

Segundo Mirian, os pesquisadores da França já acreditavam que o padrão de edição de RNA poderia ser um biomarcador para o diagnóstico do transtorno bipolar. “Conforme comprovado em estudos com pacientes franceses. No entanto, por se tratar de uma população muito homogênea, quiseram repetir os mesmos estudos com pacientes brasileiros para validar o que foi visto no país europeu”, conta.

Novas possibilidades

No artigo, são descritos oito biomarcadores sanguíneos baseados em edição de RNA (PDE8A, CAMK1D, GAB2, IFNAR1, KCNJ15, LYN, MDM2 e PRKCB) que se mostraram capazes de diagnosticar o transtorno bipolar com depressão com alta sensibilidade e especificidade.

“Essa combinação de biomarcadores foi validada em pacientes com transtorno bipolar depressivo e eutímico [que são pacientes em tratamento e com remissão dos sintomas clínicos]. Encontramos mais de oito alvos, mas os citados no artigo são os que dão a melhor resposta para o diagnóstico. A combinação desses oito RNAs é importante”, ressalta João Nani, bolsista da Fapesp e coautor do estudo.

Um fato importante é que os pesquisadores ainda não conseguiram identificar se a alteração no RNA é resultado do transtorno ou do tratamento. “A gente discute no artigo que ainda não é possível definir se isso é efeito da doença ou da medicação. Afinal todos os voluntários são pacientes em tratamento”, diz Nani.

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Caso se constate que seja efeito da medicação, avalia Mirian, abre-se a possibilidade de usar o painel de biomarcadores para verificar se o paciente está de fato se medicando.

Segundo Nani, biomarcadores desse tipo poderão ainda, no futuro, ser norteadores de novos tratamentos. Isso porque a edição de RNA é um mecanismo crucial na regulação do sistema imunológico inato e da resposta inflamatória.

“Essas modificações de RNA servem para evitar que ocorra uma resposta imune contra o próprio organismo. As enzimas editing 1 e 2 são importantes para regular mecanismos de resposta autoimune. Já existem estudos sobre câncer que usaram inibidores dessas moléculas associados a quimio e imunoterapia visando aumentar a eficácia do tratamento. Quem sabe um dia essa modulação possa ser aplicada no tratamento de transtornos psiquiátricos”, cogita Nani.

Também assinam o estudo a pesquisadora Elisa Brietzke, atualmente na Queen’s University, no Canadá, Dinah Weissman e Franck Molina, do CNRS.

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