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As causas e riscos da ansiedade precoce, que já atinge 20% das crianças

Especialistas recomendam que meninos e meninas a partir dos 8 anos sejam avaliadas para detecção da doença. Inédita, medida evidencia urgência contra o mal

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h37 - Publicado em 21 out 2022, 06h00

No passado de um adulto com ansiedade pode ter vivido uma criança com preocupações desproporcionais, medos paralisantes, que suava ou sentia taquicardia antes de festinhas, apresentações na escola e passeios. É na infância, afinal, a fase na qual emergem até 80% das questões crônicas de saúde mental. No caso da ansiedade, estudos apontam que o transtorno em níveis que interferem nas atividades rotineiras é enfrentado por 7% a até 30% das crianças e adolescentes, segundo a literatura científica. Porcentagem tão expressiva vinha colocando em alerta médicos e outros profissionais de saúde antes mesmo da pandemia de Covid-19.

Agora, a ansiedade precoce alcançou um patamar de gravidade tamanho que, na semana passada, a Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos Estados Unidos — comitê de especialistas que monitora e aponta estratégias contra as principais doenças crônicas — recomendou que, a partir dos 8 anos de idade, todos sejam submetidos a uma triagem para detecção da enfermidade apresentando ou não sintomas. É a primeira vez que é dada uma orientação do tipo, o que só evidencia a urgência em enfrentar o problema. “Fazer a avaliação é uma maneira importante de ajudar a proteger a saúde mental de nossa geração mais jovem”, explica a VEJA a psicóloga Lori Pbert, integrante do grupo.

A ansiedade não deve ser interpretada como algo totalmente negativo. O medo e a preocupação são ferramentas instintivas que ajudam a evitar riscos e a agir diante de perigos. O contorno patológico aparece quando o sentimento passa a ocorrer com frequência e sem uma explicação concreta, impactando tarefas simples. No caso da população pediátrica, é preciso entender que crianças mais novas tendem a manifestar comportamentos que podem ser vistos como ansiosos, mas eles se estabilizam com o passar dos anos. Isso faz parte do desenvolvimento da habilidade de trabalhar as informações e reagir diante dos acontecimentos do dia a dia. O processo ocorre com mais intensidade na faixa dos 3 aos 5 anos e continua, de forma gradual, durante a adolescência e a fase adulta. Até por essas razões, os americanos fixaram como linha de corte para a triagem os 8 anos em diante. O foco é a detecção de comportamentos que extrapolam os esperados em relação a novidades ou ocasiões especiais, como a resistência em participar de atividades escolares e a recusa a convites para dormir na casa dos amigos. A rejeição em participar, quando sinal de angústia e o sofrimento, pode ser também manifestada em sintomas físicos, como dor de barriga ou de cabeça.

Ansiedade infantil

Apesar de a ciência apontar que filhos de ansiosos têm duas a três vezes mais chances de apresentar o problema, há outros fatores relacionados. Nos anos 2000, a Associação Americana de Psicologia publicou um artigo apontando o aumento da ansiedade em crianças de 20% no período de 1952 a 1993. O contexto da época que levava aos resultados era de famílias menores, redução do contato social, preocupações com a possibilidade de uma guerra nuclear e a eclosão do HIV, cujos primeiros casos surgiram em 1981. De lá para cá, as circunstâncias mudaram. Uma das mais relevantes é a superexposição às telas, por meio de videogames, tablets e celulares. No universo virtual, os pequenos entram em uma montanha-­russa de emoções, com enxurradas de recompensas e estímulos que não se reproduzem na vida real. “Eles não aprendem a esperar porque o cérebro fica condicionado a ter sempre uma resposta rápida”, diz Ana Paula Scoleze Ferrer, do Instituto da Criança e do Adolescente, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). A esse cenário, somam-se a rotina com excesso de atividades extracurriculares e o pouco tempo para brincar, fundamental para a elaboração das emoções. Com a pandemia, isso se agravou. Isolados em casa com pais que lidavam com o medo da doença, da morte e das consequências econômicas, os pequenos se viram sugados pela mesma bolha de sofrimento. Dados da Organização Mundial da Saúde apontam que uma em cada cinco crianças passou a apresentar sintomas.

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O mesmo arsenal que ajuda a controlar o distúrbio em adultos está à disposição dos pequenos. Há remédios se for preciso, mas o caminho a ser tentado primeiro é a terapia cognitivo-comportamental, uma espécie de treino por meio do qual o indivíduo fica apto a perceber quando começa a pensar de maneira ansiosa e, a partir daí, interromper a cadeia que o levará a igual comportamento. O processo, ressalte-se, exige a participação da família. “É vital para que o enfrentamento dê certo”, afirma Fernando Asbahr, do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. O cuidado no presente evitará a ansiedade no futuro.

Publicado em VEJA de 26 de outubro de 2022, edição nº 2812

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