Análise do cérebro de Éder Jofre confirma degeneração ligada ao boxe
Estudo aponta que o maior pugilista na história do Brasil sofria de um tipo de demência causada por traumas relacionados ao esporte
Éder Jofre estava “à beira da morte” em 2014, quando seu neurologista, Renato Anghinah, optou por mudar o tratamento para Alzheimer a que o pugilista era submetido havia quase 10 anos. Após uma nova bateria de exames, concluiu-se que o melhor caminho era encarar a condição como uma encefalopatia traumática crônica.
O novo diagnóstico resultou em uma sobrevida de 9 anos para o ícone do boxe brasileiro − sobrevida digna, diga-se. Apesar de ter sido um tiro no escuro na época, pois a diferenciação entre a encefalopatia e o Alzheimer só pode ser feita por meio da análise anatomopatológica após uma autópsia, Anghinah fez a escolha certa.
O ex-campeão morreu em 2022 e sua família doou seu cérebro para um estudo detalhado. Ele foi feito na Universidade de São Paulo (USP), onde Anghinah leciona e fica o único banco de cérebros da América Latina.
Na necrópsia e nos exames conduzidos pelo neurologista foi confirmada a encefalopatia traumática crônica. Conhecida no meio científico como “demência pugilística”, ela ocorre devido a repetidos traumas na cabeça no decorrer da vida.
As pancadas vão provocando um acúmulo de alterações que desencadeiam um processo inflamatório no cérebro. “A partir de um certo ponto, isso começa a provocar a deposição de diversas proteínas anormais entre os neurônios, sendo a principal delas a TAU fosforilada. Esse processo, no longo prazo, se torna irreversível e progressivo”, explica o professor da USP.
A enfermidade se assemelha ao Alzheimer pelos sintomas (perda de memória, confusão mental…), mas, como o caso de Jofre comprova, não se beneficia do mesmo tipo de tratamento.
O maior boxeador brasileiro de todos os tempos tomava 14 comprimidos por dia e estava quase sendo entubado para se alimentar quando ainda era tratado incorretamente. Com a intervenção certa, melhorou e ficou muito mais ativo, participando até de eventos e homenagens.
Anghinah esclarece que, embora o apelido da encefalopatia remeta ao boxe, a doença não fica restrita aos pugilistas. “Os casos podem ser observados em diversos esportes, trabalhadores de construção civil e pessoas que sofrem violência doméstica”, diz.
Isso inclusive virou uma preocupação para os futebolistas, que dão cabeçadas na bola rotineiramente. Um estudo recente publicado na revista The Lancet Public Health concluiu que jogadores profissionais têm 1,5 vezes mais chances de desenvolver Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas do que o resto da população.
O zagueiro Hideraldo Luís Bellini, que ficou famoso por levantar pela primeira vez a taça da Copa do Mundo para a Seleção Brasileira, em 1958, também doou o cérebro para pesquisa e teve o mesmo diagnóstico de Éder Jofre. Zagueiros estão entre as posições que mais cabeceiam a bola.
“Ainda há espaço para melhorar e reduzir o risco dessa doença nesses meios. Mas temos que conceber que esportes de alta performance buscam rendimento, não saúde. Então, aqueles que buscam essa profissão precisam saber desse risco”, avalia Anghinah.
Cada vez mais cientes do perigo, algumas associações esportivas já cogitam rever o uso de equipamentos e formular outras medidas para ampliar a segurança dos atletas.