Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Continua após publicidade

A revolução na medicina em busca da vida eterna

Empresas investem na ampliação e no aperfeiçoamento dos recursos tecnológicos e científicos para estender a vida com qualidade

Por Adriana Dias Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h20 - Publicado em 25 out 2019, 07h00

Viver, viver cada vez mais e melhor, preferencialmente para sempre, é uma das buscas eternas do ser humano. É procura que, desde os primórdios do conhecimento traduzido em palavras, alimentou pensadores, escritores e poetas. Houve o rei sumério Gilgamesh, cuja epopeia, registrada em tabuletas, nos idos de 2000 a.C., narrava a descoberta de uma planta que concedia imortalidade a quem a ingerisse. Houve Titono, melancólico personagem da mitologia grega que pediu a Zeus a eternidade mas se esqueceu de encomendar também a mocidade permanente. No século XVI, o conquistador espanhol Juan Ponce de León navegou pelos novos mundos em sucessivas expedições ao encontro da fonte da juventude. O Dorian Gray de Oscar Wilde, em 1890, vendeu sua alma para não envelhecer. E assim seguimos, numa ambição desenfreada, incansável, longuíssima, que Carlos Drummond de Andrade resumiu com bonita ironia em 1954: “E como ficou chato ser moderno. Agora serei eterno. Eterno! Eterno! O Padre Eterno, a vida eterna, o fogo eterno”.

O que as belas letras criaram, porque a imaginação é infinita, começa agora, enfim, a pousar no mundo real das pesquisas de ponta e das realizações científicas. Não existe movimento mais interessante na medicina, hoje, do que os avanços no campo da imortalidade, e não há nessa afirmação nenhum exagero (ainda que estejamos longe, muito longe, da vitória final). Apenas no ano passado, Apple, Amazon, Google, Microsoft e Facebook aplicaram grande parte de seu faturamento nos Estados Unidos — algo em torno de 150 bilhões de dólares, o equivalente a 600 bilhões de reais — no chamado mercado da longevidade. O Google fundou a Calico, acrônimo em inglês para California Life Company, cujo objetivo, atrelado a frondoso 1 bilhão de dólares de investimento, informa o site da empresa, é nítido: “Além da genética, nós nos preocupamos com as características do envelhecimento, a energia celular, as respostas do organismo ao stress. Nossas principais áreas terapêuticas incluem a cardiologia, a oncologia, a neurodegeneração e a inflamação crônica, porque a incidência dessas condições aumenta acentuadamente na velhice e está associada a alta mortalidade”.

Nas palavras do professor israelense Yuval Noah Harari, autor do best-seller Sapiens: uma Breve História da Humanidade, “a morte já é opcional”, embora essa condição possa estabelecer um novo tipo de desigualdade, e haverá quem não tenha onde cair morto: o fosso entre os que poderão pagar pela eternidade e os que padecerão sem acesso aos tratamentos inovadores. O gerontologista britânico Aubrey de Grey é autor de uma celebrada provocação: “O ser humano que terá 1 000 anos já nasceu, está vivíssimo entre nós”. Segundo ele, daqui para a frente “nosso corpo será tratado pela medicina como a engenharia lida com uma máquina — quebrou, conserta-se”. Harari e De Grey bebem da fonte de um guru desses novos tempos, embora a expressão “guru” tenha caído na vala das platitudes: o americano Raymond Kurzweil, diretor de engenharia do Google, conselheiro de Bill Gates, que se intitula inventor e futurista. Ele é o criador de um conceito com a força das grandes ideias, a “singularidade”, segundo a qual em 2029, logo ali na esquina, a humanidade terá os recursos de inteligência artificial necessários “para que máquinas alcancem a inteligência humana, inclusive a inteligência emocional”.

Kurzweil acredita que será possível implantar no cérebro um computador do tamanho de uma ervilha para substituir neurônios destruídos pelo Parkinson. E então, depois disso, para que morrer? Há quem enxergue, no futuro desenhado por Kurzweil, um amontoado de estultices, utopias que jamais verão a luz do dia — não é o caso do time de executivos bilionários do Vale do Silício, para quem o santo graal é a vida eterna, concreta e objetivamente.

Para além das inventivas fronteiras californianas, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) fundou o Laboratório de Envelhecimento, conhecido como AgeLab e dedicado à elaboração de tecnologias para prolongar a existência. Um dos projetos a todo o vapor hoje por lá é fazer com que jovens fortes e vigorosos sintam no próprio corpo as mudanças fisiológicas deflagradas a partir dos 70 anos. Óculos turvos dão a sensação de amarelecimento da visão que acompanha a idade. Um cinto amarrado ao pescoço imita a mobilidade reduzida da coluna cervical. Um conjunto de faixas ao redor dos cotovelos, pulsos e joelhos simula rigidez. Luvas especiais afetam a acuidade tátil. Sapatos de plástico com solado irregular desequilibram o caminhar. A ideia é antecipar soluções que auxiliem organismos ainda jovens na prevenção de problemas futuros. Diz Joseph Coughlin, pai do AgeLab: “Na virada do século XX para o XXI, criamos o maior presente da civilização — trinta anos extras de vida —, e não sabemos como lidar com isso. Agora que estamos vivendo mais, como planejaremos o que vamos fazer?”.

A extensão da vida é uma possibilidade real — e já vem acontecendo. Na ponta do lápis, um brasileiro nascido em 1919, um século atrás, portanto, viveria até 34 anos, em média. Quem nasce hoje, salvo as más surpresas que a vida apronta, pode chegar tranquilamente aos 76 anos. E há um ineditismo: pela primeira vez existe mais gente no planeta com mais de 65 anos do que com menos de 5. Vive-se mais em decorrência da melhora no saneamento básico, do desenvolvimento de remédios puxados pela penicilina, das vacinas e do cuidado na alimentação, bem como em razão da prática de atividades físicas.

agnes-mit-agelab
SIMULAÇÃO – Da visão embaçada à falta de equilíbrio: o MIT criou roupas que simulam os sinais do corpo de 70 anos (./.)
Continua após a publicidade

Tudo isso é mais do que sabido. O que se pretende, neste instante — e eis uma espetacular primazia —, é dar uma esticadinha e, quem sabe, evitar o inelutável desfecho. Em uma reportagem de 2017 da revista The New Yorker, considerada um manifesto que abriu alas e deu nome aos bois dessa novíssima onda científica, o jornalista Tad Friend dividiu o grupo de titãs que investem na imortalidade em duas grandes famílias: os healthspanners, que sonham com o prolongamento da vida saudável, mas somente se ela for realmente saudável; e os immortalists, para os quais sempre existirá um dia seguinte, interminavelmente. Os healthspanners são majoritários, âncoras de um olhar inédito na história da medicina, que pode realmente revolucioná-la: é possível atacar algumas doenças intervindo no processo natural de envelhecimento — em outras palavras, tratando o envelhecimento em si, de maneira a retardar o surgimento dos males e, insista-se, colando qualidade de vida onde antes havia decrepitude. É esse o espaço de atividades mais produtivo.

Há quem pense de forma mais ambiciosa e cujo objetivo seja nada menos que a perenidade — custe o que custar. Diz Arram Sabeti, fundador de uma companhia de tecnologia especializada em alimentação, a ZeroCater: “A proposição de que podemos viver para sempre é óbvia, e não viola as leis da física. É natural que cheguemos lá”. Há algum exagero nesse raciocínio, porque natural mesmo é querer tempo suplementar, segurar o relógio até onde der. Duas áreas hoje se destacam no prolongamento da vida dos seres humanos: a dos cuidados com o coração (60% dos problemas cardíacos surgem em pessoas acima dos 56 anos) e a da atenção ao câncer, e a íntima ligação com o sistema imunológico (70% dos incidentes oncológicos despontam depois dos 60 anos). Há zelo especial também com o cérebro e a fase terminal em UTIs (conheça o que já existe e o que virá em breve nos quadros desta reportagem).

MONGE-TEMPLO-SHAOLIN-2019
DE VIRAR A CABEÇA – A fé ajuda: estudos mostram os benefícios da espiritualidade (Lin Liangbiao/VCG/Getty Images)

“Nos próximos dez anos, dentro do atual ritmo dos avanços, a medicina será capaz de curar 90% dos cânceres em fase inicial e 50% dos que estão em estágio avançado”, diz Fernando Maluf, diretor do Centro de Oncologia da Beneficência Portuguesa e membro do comitê gestor do Hospital Albert Einstein. Deu-se, há duas semanas, no Brasil, um extraordinário passo nessa direção. O mineiro Vamberto Luiz de Castro, de 62 anos, foi o primeiro paciente no país a receber um tratamento totalmente individualizado contra o câncer — um linfoma não ­Hodgkin de alto risco. Castro já havia sido submetido a quatro terapias diferentes, e nenhuma funcionara. Agora, por meio de um método conhecido como CAR-T, que associa imunoterapia a engenharia genética, ele renasceu. Cerca de vinte dias depois do início do acompanhamento, feito no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, com dinheiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a doença regrediu a patamares ínfimos. É o futuro, vivido hoje.

Episódios bem-sucedidos como esse tendem a ser comuns. Brotam aqui e ali, em toada de permanente progresso. As apostas seguintes já podem ser levadas à mesa. Haverá celebração, nos próximos meses, em torno de dois terrenos de exploração:

Continua após a publicidade

A rapamicina, um imunodepressor usado contra o processo de rejeição a órgãos transplantados e que se mostrou eficiente no bloqueio de uma enzima que acelera a divisão celular, atalho para o envelhecimento; em camundongos, a substância aumentou a expectativa de vida em até 38%. A medicação começou a ser testada em seres humanos.

A metformina, remédio prescrito tradicionalmente para o diabetes, que serve também como corretor de DNA defeituoso; um time de pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da USP descobriu recentemente uma relação entre o uso da droga e a redução nos casos de câncer de pescoço e cabeça.

Como tudo é questão de tempo, e não se deve perder o fio da meada (o que se investiga é o infindável ou um modo de fazer a travessia com dignidade), quanto antes os problemas forem detectados, melhor. O nome do jogo é monitoramento, com dedicada participação do doente e recursos de medicina remota. “A interação entre as duas áreas é de tal importância que fez surgir um novo campo da ciência para melhorar a longevidade dos pacientes: a cardio-oncologia”, afirma Ludhmila Abrahão Hajjar, professora de cardiologia do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora nacional de cardio­-oncologia da Rede Américas. No modelo nem tão antigo assim, os dados de todo doente eram coletados apenas em consultas e ficavam armazenados em imensos computadores. A atualização era feita a mão, na visita seguinte. Hoje, as informações estão disponíveis no smartphone ou em relógios inteligentes, meio caminho andado para a prevenção. A Dasa, a maior rede de medicina diagnóstica da América Latina e a quinta maior do mundo, inaugurou uma tecnologia que pretende integrar o cuidado com o enfermo por todos os lados. Imagine uma pessoa indo ao laboratório para fazer um ultrassom do fígado. O diagnóstico diz que ela tem gordura no órgão. Os dados são transferidos tanto para o médico quanto para o paciente. A partir de então, um programa de inteligência artificial, que já tinha informações prévias do doente, como peso, idade e hábitos de vida, além dos vícios, cruza todas as informações científicas possíveis sobre a doença em si e as relaciona com o doente. Ele prevê, dentro do quadro analisado, o futuro da gordura do fígado: vai se transformar em fibrose, cirrose, câncer ou simplesmente não vai evoluir? “Estamos vivendo a maior transformação comportamental da história da medicina”, diz Ben-Hur Ferraz Neto, cirurgião do aparelho digestivo e especialista em uso de inovações na saúde. “Ferramentas de monitoramento a distância com alerta imediato aos médicos deverão ser os métodos ideais para o diagnóstico precoce e o tratamento eficiente das principais doenças”, afirma Roberto Kalil Filho, professor titular de cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretor de cardiologia do Hospital Sírio-Libanês.

Não há dúvida de que a ciência vem possibilitando a extensão da vida humana. Mas, curiosamente, a fé também ajuda. Existem trabalhos que escrutam, minuciosamente, o peso da prática da religião e da espiritualidade na longevidade. A Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, mostrou recentemente que frequentadores de ritos religiosos que estimulam sentimentos como gratidão e atividades como oração ou meditação (independentemente do credo) tiveram a vida prolongada em quase uma década. A tese foi comprovada em dois estudos que avaliaram 1 600 obituários. Foram isolados todos os outros fatores de risco. Em breve, serão feitos estudos com devotos em vida.

Essa reviravolta — os investimentos dos gigantes do Vale do Silício, a fervura dos laboratórios e a saúde na palma da mão, além de uma boa dose de espiritualidade — compõe pílulas de renovada esperança em busca da vida eterna por aqui mesmo. Na Terra.

Continua após a publicidade

 


CORAÇÃO

IMPRESSAO-3D
(Amir Cohen/Reuters)

– AS NOVIDADES

Órgão em 3D. O músculo cardíaco será desenvolvido por meio de impressora tridimensional. Criado por cientistas da Universidade de Tel-Aviv, o dispositivo carregará o material genético do paciente e substituirá os transplantes. O protótipo pioneiro foi apresentado há apenas seis meses (foto acima). O modelo, pouco maior que a ponta do polegar, tem o tamanho de um coração de coelho. Outras versões já foram fabricadas — mas a israelense é a primeira a ser confeccionada com todos os vasos sanguíneos, ventrículos e câmaras, usando uma tinta feita a partir de substâncias biológicas naturais. O desafio agora é criar um órgão compatível com o tamanho do corpo humano.

– PARA QUANDO

Dentro de dez anos


SISTEMA  IMUNOLÓGICO

LINFOCITO
(./Shutterstock)
Continua após a publicidade

– AS NOVIDADES

Contra o câncer. Na oncologia, as células de defesa do corpo combaterão os mais diversos cânceres, de forma totalmente individualizada. Nos próximos dez anos, a medicina será capaz de curar 90% dos tumores em fase inicial e 50% daqueles em estágio avançado.

Na infectologia. Um remédio desenvolvido para pessoas acima dos 65 anos (o RTB101), da empresa americana de biotecnologia resTORbio, estimula o corpo para que ele não sofra com doenças infecciosas, como gripe e pneumonia, que levam 1 milhão de idosos aos hospitais a cada ano, apenas no Brasil.

– PARA QUANDO

Contra o câncer: em dez anos
Contra infecções: em dois anos


TERAPIA INTENSIVA

bebe-musica
(CRAIG CUTLER/.)
Continua após a publicidade

– AS NOVIDADES

Canções de ninar. A incidência de morte nas UTIs hoje é de 20%. O objetivo é que não passe de 5%. Para isso, a indústria investe em duas frentes. Uma delas pretende evitar ao máximo o stress do paciente, que dificulta o tratamento. O Hospital de Genebra, na Suíça, está testando um modo de monitorar a reação cerebral de bebês com a estimulação por meio de música. Detector de bactérias. O Instituto de Tecnologia Guwahati, na Índia, aposta em um dispositivo eletrônico capaz de diagnosticar o tipo exato de bactéria instantaneamente. O feito evitará a principal causa de morte nesta área do hospital, a sepse — infecção generalizada.

– PARA QUANDO

Música: em dois anos

Detector de bactérias: em cinco anos


CÉREBRO

X-RAY
(./.)

– AS NOVIDADES

Derrame. Uma em cada cinco pessoas acima dos 65 anos é acometida da doença. A Cleveland Clinic, em Ohio, está desenvolvendo uma técnica que usa estímulos cerebrais para eliminar suas sequelas. No primeiro teste, uma mulher teve os movimentos de um dos braços recuperados.

Alzheimer. A Universidade de Tübingen, na Alemanha, investe em um teste que detecta a doença dezesseis anos antes de os sintomas aparecerem. Ele rastreia o nível da proteína NfL, que compõe a estrutura interna das células nervosas. A presença da NfL em alta quantidade é indício de que os danos ao cérebro associados ao Alzheimer já começaram.

– PARA QUANDO

Derrame e Alzheimer: em dez anos

arte-linha-do-tempo-iphone
(./.)

 

Publicado em VEJA de 30 de outubro de 2019, edição nº 2658

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.