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A proteína capaz de manter a célula humana saudável por mais tempo

Estudo feito por pesquisadores brasileiros e australianos aponta caminhos para tratar doenças autoimunes e até câncer

Por Maria Fernanda Ziegler, da Agência Fapesp
Atualizado em 11 set 2023, 11h46 - Publicado em 11 set 2023, 11h45

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e colaboradores da Austrália identificaram uma proteína bacteriana capaz de manter as células humanas saudáveis por mais tempo. A descoberta pode levar a novos tratamentos para uma variedade grande de doenças relacionadas com a disfunção mitocondrial (isto é, o mau funcionamento da mitocôndria, organela produtora de energia para a célula), como câncer e doenças autoimunes.

No estudo, publicado na revista PNAS, os pesquisadores identificaram que, entre as mais de 130 proteínas liberadas pela bactéria Coxiella burnetii ao invadir a célula do hospedeiro, pelo menos uma tem a capacidade de prolongar a longevidade celular a partir de uma ação direta sobre a mitocôndria.

Após a invasão da célula hospedeira, a C. burnetii libera uma proteína até então desconhecida, que foi denominada pelos autores MceF (sigla em inglês para mitochondrial coxiella effector F). A molécula interage com a GPX4 (glutationa peroxidase 4), uma enzima localizada na mitocôndria. Dessa forma, a bactéria promove a sobrevivência da célula em que está hospedada, já que MceF melhora a função mitocondrial ao promover um efeito antioxidante e retardar o dano e a morte celular – que pode ocorrer quando patógenos se replicam no interior das células de mamíferos.

“A C. burnetii utiliza diversas estratégias para que a célula invadida não morra e, assim, consegue se replicar dentro dela. Uma delas é a modulação da proteína GPX4 pela MceF – mecanismo que descobrimos neste trabalho. A realocação dessas proteínas na mitocôndria celular permite que as células de mamíferos vivam por mais tempo mesmo estando infectadas e com uma carga bacteriana muito alta”, explica Dario Zamboni, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e um dos autores correspondentes do artigo.

O estudo foi feito no âmbito do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) –, em colaboração com a professora Hayley Newton, da Universidade Monash, na Austrália. A investigação também contou com financiamento por meio de um projeto coordenado por Zamboni.

“Basicamente, encontramos uma estratégia usada pela C. burnetii para manter a célula saudável por mais tempo enquanto ela se replica intensamente. Observamos que a bactéria redireciona – por meio da proteína MceF – a enzima da própria célula hospedeira [GPX4] para a mitocôndria, de modo a atuar como um potente antioxidante para a célula infectada, o que impede o envelhecimento de componentes celulares”, explica Robson Kriiger Loterio, primeiro autor do estudo, que é fruto de seu doutorado.

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Biologista celular

A C. burnetii é a causadora da chamada febre Q, uma zoonose relativamente comum, mas pouco diagnosticada. A bactéria causa uma pneumonia atípica em humanos, além de coxiellose em diversos animais. Zamboni explica que esse patógeno é altamente adaptado para infectar macrófagos e monócitos (glóbulos brancos que atuam na linha de frente da resposta imune), inibindo uma série de respostas do hospedeiro contra a infecção.

“O interesse em estudar essa bactéria mais a fundo está justamente no fato de ela subverter as funções da célula. Diferentemente de outras bactérias, que só causam doenças quando já estão em grande número nos indivíduos, apenas uma C. burnetii já é o suficiente para adoecer uma pessoa saudável. Então, ela atua de maneira eficiente para modular as células invadidas. Brincamos que ela é uma biologista celular nata, capaz de modular tudo nas células hospedeiras”, conta Zamboni.

Outro aspecto interessante da C. burnetii, segundo o pesquisador, é que ela permanece cerca de uma semana se replicando dentro da célula. A título de comparação, a Salmonella (causadora de intoxicações alimentares graves) provoca a morte das células hospedeiras em menos de 24 horas.

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“Observá-las [as Coxiellas] é uma ótima maneira de aprender sobre o funcionamento celular. No caso deste estudo, nos ajudou a entender como melhorar disfunções mitocondriais e nos deu insights sobre a morte programada de células humanas”, afirma o pesquisador.

No trabalho, os pesquisadores analisaram a capacidade da bactéria de subverter macrófagos e atuar diretamente na mitocôndria celular a partir de estudos in vitro e in vivo, utilizando larvas de uma espécie de mariposa chamada Galleria mellonella. Nessa primeira fase do estudo eles investigaram mais de 80 proteínas novas de Coxiella que apresentam potencial de interagir com a célula hospedeira e subverter seu funcionamento. “Focamos nossa investigação na MceF por ela atuar diretamente na mitocôndria, uma organela que é muito importante para regular o processo de morte celular”, explica Zamboni.

O grupo pretende agora trabalhar em duas novas frentes: aprofundar o entendimento sobre as outras proteínas de interesse e realizar mais estudos bioquímicos para compreender como a MceF influencia a proteína celular GPX4.

“O bonito desse trabalho é que, a partir de estudos com uma bactéria, podemos aprender mais sobre sinalização, morte celular e novas maneiras de reverter a disfunção mitocondrial. Não precisa inventar uma nova técnica, o processo já ocorre durante a interação entre essas bactérias com as células”, diz.

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