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Vai jorrar petróleo

Governo vai lançar o primeiro de uma série de leilões para chacoalhar a indústria de extração. CEO da Statoil conta por que vai entrar com tudo na disputa

Por Thiago Prado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 22 set 2017, 06h01 - Publicado em 22 set 2017, 06h00

Depois de quatro anos de quase paralisia na venda de blocos de exploração de petróleo (à exceção de um malsucedido leilão em 2015), o Brasil volta ao tabuleiro global a partir da quarta-feira 27. Serão três rodadas de leilões em um mês, dois de campos do pré-sal. O governo espera arrecadar cerca de 8 bilhões de reais nas concorrências, uma injeção de ânimo no combalido caixa federal e uma boia de salvação para o Rio de Janeiro, onde 30% da economia gira em torno do chamado ouro negro. Quarenta empresas planejam entrar na briga por um espaço em águas brasileiras, entre elas os gigantes Shell, Total e Statoil, da Noruega, cujo CEO, o economista Eldar Saetre, 61 anos, esteve no Brasil para definir estratégias. À frente de uma companhia com operação em 35 países e faturamento na casa de 45 bilhões de dólares por ano, ele falou a VEJA sobre sua visão do país — ciente dos problemas que abalam Brasília, sua ótica não é idílica, mas otimista em relação à economia em geral e ao mercado de petróleo em particular, menos tutelado agora pelas mãos do Estado. Em sua visita, Saetre encontrou-se com o presidente da Petrobras, Pedro Parente, a quem contou sobre como a Statoil conseguiu desarticular sua própria teia de corrupção (sim, também aconteceu ali). A seguir, os principais trechos da entrevista.

AVANÇOS NO HORIZONTE

“Pela primeira vez, vejo no Brasil um calendário de leilões de mais longo prazo, para os próximos três anos. Sabe-se agora quando e como será ofertada cada área de exploração. E previsibilidade é tudo em um negócio. Outro ponto positivo é o fim da obrigatoriedade de ter a Petrobras como sócia em todos os campos do pré-­sal. Também vejo com bons olhos a flexibilização da política do conteúdo nacional, que determinava a compra de uma enormidade de itens produzidos pela indústria local. Na Noruega, tivemos, sim, políticas semelhantes, mas os porcentuais não eram tão altos quanto os daqui, e as empresas locais eram mais competitivas.”

REGRAS INSTÁVEIS

“Mesmo com tantas adversidades, chama atenção como as instituições brasileiras continuam funcionando, em especial o Poder Judiciário. É claro que a possibilidade de mudanças na regulamentação da indústria do petróleo depois das eleições de 2018 preocupa, mas não acredito que algum político vá nessa direção. Estamos atentos ainda à questão dos impostos, sempre sujeitos a muita imprevisibilidade no Brasil. Trata-se de um problema que vai além da alta tributação. Na Noruega, pagamos 78% de impostos sobre a atividade petrolífera. É um valor alto, sem dúvida, mas não muda. Nem me lembro da última vez em que houve alguma alteração.”

O RISCO PROPINA

“Ficamos impressionados na Noruega com a extensão da Operação Lava-­Jato e com as sucessivas notícias sobre corrupção no Brasil. Quando comecei a tomar ciência do escopo, pensei: “Meu Deus, isso não é um simples caso isolado, é sistêmico”. Não conheço o empresário Eike Batista, mas qualquer prisão dessa natureza repercute no mercado. Um caso de corrupção de tamanha magnitude impacta, sem dúvida, a reputação da atividade de exploração de petróleo em um país. Por isso, do ponto de vista dos negócios, sempre incluímos a variável corrupção no mapa de riscos antes de investir onde quer que seja. E, aplicando-a à realidade brasileira, afirmo: o Brasil vale a pena.”

No jogo – Saetre, o CEO da Statoil: “O Brasil é estratégico”
No jogo – Saetre, o CEO da Statoil: “O Brasil é estratégico” (Marcos Michael/)
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MUDANÇA DE HÁBITOS

“Quando foi revelado que funcionários da Statoil pagaram propina a autoridades do Irã, em 2003, o CEO foi demitido, e com ele todos os diretores no alvo das denúncias. É a partir do topo que se rompe a cultura antiga de uma organização e se começam a implantar novos hábitos. Estabelecemos um programa para fiscalizar e aprimorar condutas e passamos a treinar funcionários dentro dessa cartilha. Mas não adianta apenas pôr medidas bonitas em um pedaço de papel. A mudança leva anos para se consolidar, e o manual não fica congelado no tempo: o que hoje é admissível, amanhã pode não ser mais. A discussão sobre ética tem de ser permanente e não deixar nem mesmo o que soa tolo de fora. As questões vão desde ‘posso aceitar uma caneta de presente?’ até ‘quais os limites ao lidarmos com empresas de nossa cadeia produtiva?’.”

ESFORÇO LOCAL

“Percebo o empenho de Pedro Parente em promover mudanças profundas de processos e cultura na Petrobras. Nós podemos ajudar nessa caminhada, passando experiência na construção de um sistema baseado em um controle mais rígido do dinheiro, que implantamos depois de também nos ver enredados em corrupção. Na Statoil, aprendemos que a chave está em conhecer e monitorar de forma minuciosa o fluxo de caixa da empresa e pôr o tema da corrupção na mesa, abertamente, para estabelecer os parâmetros éticos de maneira clara.”

A MÃO LEVE DO ESTADO

“O governo norueguês é dono de dois terços da Statoil, mas passa longe do dia a dia da empresa. Ele não participa das grandes decisões, muito menos define a estratégia dos negócios. Essas são atribuições do corpo diretor, que, a propósito, não tem nenhum representante do Estado. Zero. No máximo, prestamos contas sobre bônus pagos a alguns executivos. Hoje, ninguém fala em privatização da Statoil porque o governo é um bom dono. Não interfere, respeita os outros acionistas e não se opõe a uma gestão profissional. Ao contrário.”

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ÓLEO NO FUTURO

“Para quem acha que o petróleo perderá relevância em pouco tempo, é bom lembrar que os combustíveis que movem o transporte de carga por terra, água e mar correspondem a 50% da demanda mundial. Em um planeta em que a população chegará a 9 bilhões nas próximas décadas, ainda vamos precisar de petróleo por muitos anos. O Brasil está no mapa.”

Publicado em VEJA de 27 de setembro de 2017, edição nº 2549

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