Um gênio da ausência
'Onde Está Você, João Gilberto?', de Georges Gachot, reconstitui o esforço de um jornalista alemão para se encontrar com o personagem mais recluso da MPB
João Gilberto é a ausência mais famosa do showbiz brasileiro. Sua carreira tem sido pontuada por apresentações canceladas em cima da hora e projetos de discos abortados devido a uma ou outra imperfeição sonora — que só os ouvidos finos do cantor baiano conseguem captar. Ermitão que quase nunca deixa seu apartamento carioca, nos últimos anos ele se viu envolvido em tristes disputas familiares. Essa grande ausência é o tema de Onde Está Você, João Gilberto? (Suíça/França/Alemanha, 2018), de Georges Gachot, que será exibido na quarta-feira 6 no In-Edit, festival paulistano de documentários musicais — o qual, aliás, dedica boa parte de sua programação a Gachot, o diretor francês que já se debruçou sobre outros figurões da música brasileira, como Martinho da Vila e Maria Bethânia.
O ponto de partida do documentário é o livro Ho-ba-la-lá — À Procura de João Gilberto, de Marc Fischer. O jornalista alemão encantou-se tanto com a música de João que viajou até o Rio para conhecer o pai da bossa nova. Conversou com amigos do compositor de Bim Bom, mas nunca o encontrou. Fischer perseguiu o músico com a obsessão de um Ahab atrás de sua baleia branca — e, tal como aconteceu com o personagem de Moby Dick, a busca acabou por consumi-lo: o jornalista suicidou-se em 2011, pouco antes do lançamento de Ho-ba-la-lá.
Também apaixonado por João Gilberto, Gachot recria os passos do alemão, falando com os mesmos entrevistados — nem sempre personagens famosos: estão lá o garçom que anota o pedido de jantar do cantor e o seu barbeiro. Tal como Fischer, Gachot sonha com um encontro com João Gilberto — para “conversar sobre Bach e Mozart”, confessa o francês a VEJA. Seria um encontro maravilhoso: Gachot é especialista em arrancar momentos tocantes de seus personagens. Ele capta a tristeza na voz de João Donato, quando este diz que não conversa com João Gilberto há quinze anos, e o enfado de Roberto Menescal, que admite ter desistido do amigo que o chamava até para trocar as cordas do violão. Gachot vai à casa da irmã de João Gilberto, em Diamantina, conferir a acústica do banheiro no qual, conta a lenda, ele aperfeiçoou sua maneira de cantar. Até sua tentativa frustrada de afinal encontrar João Gilberto — com a ajuda do empresário do cantor — rende um momento de melancólica beleza no documentário.
Publicado em VEJA de 6 de junho de 2018, edição nº 2585