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Shakespeare e a nossa tragédia

O bardo inglês ensina sobre povos inconstantes e governos ilegítimos

Por João Cezar de Castro Rocha
Atualizado em 4 jun 2024, 17h24 - Publicado em 11 Maio 2018, 06h00

– Carlos Lacerda traduziu Júlio César; peça retraduzida de forma impecável por José Francisco Botelho. O político enfrentou o desafio provavelmente estimulado pela potência de um instante.

– Uma encenação imprudente de Ricardo II quase levou William Shakespeare e sua companhia ao cadafalso. O drama histórico trata da deposição de Ricardo II, em 1399, por seu primo, posteriormente coroado Henrique IV. Na aurora do século XVII, um ex-favorito da rainha Elizabeth, o conde de Essex, levantou-se em rebelião, à espera do apoio popular que não veio. (Jânio Quadros desconhecia o episódio?) No dia 7 de fevereiro de 1601, véspera do levante, o conde patrocinou uma apresentação da peça no Globe.

– Na segunda cena do terceiro ato de Júlio César, o corpo do general é apresentado no Fórum romano. Diante da multidão inquieta, Brutus justifica o assassinato de César (na tradução de Carlos Lacerda): “Não porque eu o amasse menos, mas porque amo a Roma ainda mais”. A turba, embevecida, deseja erigir uma estátua, a fim de celebrar a integridade do orador.

– A rebelião no século XVII fracassou e o conde de Essex foi sumariamente executado — perdeu a cabeça, que não estava mesmo no lugar. A companhia de Shakespeare precisou justificar a encenação da peça que retrata um golpe de Estado bem-sucedido. Ora, a rainha Elizabeth amava o bom teatro e perdoou os atores. Mas deu-lhes um susto e tanto: diante dela, tiveram de representar, outra vez, Ricardo II.

– Usurpador do trono do próprio primo, Henrique IV reina, mas não governa com tranquilidade. Eis a fraqueza dos que chegam ao poder por meios escusos. Deposto, Ricardo II foi encarcerado e abandonado para morrer à míngua. A fala final do rei esclarece o impasse (na tradução de Carlos Alberto Nunes): “À Terra Santa pretendo ir, contrito, / para limpar-me desse atroz delito. / Solidários ficai na minha agrura, / lastimando esta morte prematura”. De que vale o posto máximo de uma nação se falta legitimidade para ocupá-lo?

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– Triunfante, Brutus deixa o Fórum. Cabe agora a Antônio dirigir-se ao povo. Ele saca da manga um argumento sonante. Conhecem o testamento de César? “A cada cidadão romano ele legou, / A cada homem, individualmente, setenta e cinco dracmas”. Bingo! Num giro radical, a multidão se rebela contra os assassinos de César, especialmente Brutus.

– Em crônica de 23 de abril de 1893, Machado de Assis antecipou o interesse de Carlos Lacerda: “A multidão, a eterna multidão forte e movediça, que execra e brada contra César, ouvindo a Brutus, e chora e aclama César, ouvindo a Antônio”. Em agosto de 1954, o suicídio de Getúlio Vargas produziu tempestade similar, virando de ponta-­cabeça o cenário político: os que execravam o Pai dos Pobres passaram a aclamá-lo e perseguir seus adversários: o Corvo escapou por pouco.

– Henrique IV jamais encontrou paz de espírito. Pelo menos ele nunca pensou em cometer poemas: bastou-lhe o papel de traidor.

Publicado em VEJA de 16 de maio de 2018, edição nº 2582

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