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Seis anéis para dominar a todos

O império euro-asiático: a China tem dinheiro, ambição e um plano

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 4 jun 2024, 17h27 - Publicado em 8 dez 2017, 06h00

Fora dos discursos diplomáticos sem plateia e das aulas de geografia com público cativo para os exames vestibulares, a palavra geopolítica raramente é mencionada entre nós. Por isso, os grandes avanços geopolíticos da China costumam ser retratados no varejo, obscurecendo a visão no atacado. Os mais de 100 bilhões de reais investidos no Brasil nos últimos três anos para comprar — e vender — de tudo não podem ser dissociados do mesmo e gigantesco movimento na África, onde a influência chinesa é tão grande que já teve até um golpe made in China. O velho ditador Robert Mugabe foi substituído por uma versão um pouco mais nova, e dificilmente diferente, com algum tipo de aprovação da China. O Zimbábue é o que os bravos professores de geografia chamariam de Estado cliente, dependente em tudo dos bons amigos chineses, que têm a vantagem de não ficar amolando com essa história de democracia e direitos humanos. Resgatado da incúria terminal, em 2015 o país adotou o dólar como moeda depois de uma hiperinflação apocalíptica. E de onde vêm os dólares? Certamente não dos Estados Unidos. A China tem 3,1 trilhões de dólares em reservas internacionais, das quais jorram os investimentos no exterior.

Transformar o multimilenar Império do Meio na maior potência do mundo custa caro e exige superar limitações enormes. A China é uma ilha dentro de seu próprio mapa, limitada por desertos, montanhas e um índice pluviométrico que espreme a agricultura e a população na metade leste do país. Não tem o acesso a dois oceanos como os Estados Unidos — nem o ainda incomparável poder naval americano, capaz de bloquear suas vias marítimas. A capacidade de controlar os mares, para o comércio ou a guerra, é um dos mandamentos da geopolítica chinesa. Uma data histórica ilustra a retração do grande império asiático: os 500 anos da destruição voluntária da grande frota chinesa comandada por Zheng He.

Como a civilização ocidental é única na capacidade de autocrítica, a exaltação da epopeia marítima do eunuco transformado em almirante parece aqueles elogios exagerados feitos com o objetivo de mostrar como “eles” eram superiores aos toscos navegadores espanhóis e portugueses que transformaram o mundo. No caso, a exaltação é merecida. Durante um glorioso período que vai de 1405 a 1433, quase um século antes dos grandes descobrimentos, Zheng He comandou, em sete expedições, uma armada que quebrou a doutrina confucionista da autossuficiência, levou a influência imperial até a costa oriental da África e rendeu tributos de trinta reinos. A visão grandiosa do imperador Zhu Di desapareceu com ele. Junto foram a breve revolução comercial e a frota, afundada e queimada.

Reconstruir as rotas de comércio é o mais ambicioso projeto de Xi Jinping, o todo-poderoso. Seis corredores irradiarão, por terra e por mar, o poder econômico chinês até a Europa. O projeto é chamado pela sigla em inglês Obor. Significa um cinturão, uma rota, referência à milenar Rota da Seda. O custo é de 1 trilhão de dólares e a ambição quase megalomaníaca evoca o imperador Zhu Di. Adivinhem qual será a potência dominante da Eurásia.

Publicado em VEJA de 13 de dezembro de 2017, edição nº 2560

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