Roupa pra quê?
No afã de continuarem célebres, as celebridades da internet desafiam o limite da vulgaridade com peças como a blusinha ultracurta e o vestido transparente

A festa era o muito chique baile anual de gala patrocinado pela papisa da moda Anna Wintour no muito respeitado Metropolitan Museum of Art, de Nova York. Beldades desfilavam traduções mais ou menos arrebatadoras da alta moda europeia. Aí surge Kendall Jenner, modelo catapultada à fama por obra e graça de um reality show familiar, de tanguinha sumária e um tecido transparente artisticamente distribuído sobre o resto do corpo impecável. Ué, mas isso é elegante? Não é, mas tornou-se aceitável desde que as celebridades da era da internet se graduaram na arte de equilibrar-se no limite da nudez sem descambar para a vulgaridade pura e simples. Não é tarefa fácil; muitas vezes elas derrapam, e o vulgar, sempre à espreita, dá o bote. Mas, no geral, as famosas que são famosas por serem famosas (e só) têm conseguido fazer do ato de se desvestir uma poderosa ferramenta de trabalho — que famosas de verdade até imitam de vez em quando. “As mulheres comuns não vão aderir a esse figurino, mas as celebridades precisam aparecer. Mais do que estar na moda, elas têm de estar na mídia”, explica a especialista em moda Iesa Rodrigues.
Além de Kendall, o mesmo baile do Met mostrou muito bem mostrado os corpos da irmã dela, Kylie, da também modelo Bella Hadid e até da veterana atriz Halle Berry, que, aos 50 anos, nem precisaria se expor tanto, mas foi em frente e, entre likes e nem tanto, congestionou as redes sociais — a meca das celebs dignas do nome. Nas semanas seguintes, o sheer dress (vestido transparente, em inglês, a língua oficial do planeta celebridade) daria o que falar em outros momentos, exibido pelas cantoras Ellie Goulding e Nicki Minaj, pela deslumbrante Izabel Goulart e, de novo, pelo trio Kendall, Kylie e Bella. No Brasil, brilhou em uma festa beneficente nos corpaços da modelo Yasmin Brunet e da apresentadora Luciana Gimenez — esta, uma adepta entusiasmada do “faz de conta que é vestido”. “Usei o transparente sem forro pela primeira vez no ano passado e não parei mais. O forro tira a fluidez, a liberdade”, elabora Luciana. E ensina: “É preciso mostrar atitude. Se a mulher tem classe, não fica vulgar”.
Na história das novidades de estilo, a transparência surgiu — discretíssima — nos anos 1950, entre as criações da maison Chanel, que dispensou o forro no colo e nas mangas de vestidos pretinhos de tecido fino. Assim permaneceria, mostrando um pouquinho aqui e ali, por meio século, até ampliar seus limites na carona de um produto fora de moda que a indústria ressuscitou: a renda. No início dos anos 2000, com seu ganha-pão restrito a vestidos de noiva, camisolas e lingeries, os fabricantes de renda da França e da Itália uniram-se em um esforço concentrado de reabilitação, com campanhas de marketing e patrocínio de grifes. O rendado saiu do quarto para o tapete vermelho na mesma época em que estreava o reality show da mãe de todas as famosas por serem famosas, Kim Kardashian — não por acaso, irmã de Kendall e Kylie. Kim elevou à potência máxima a técnica de chamar atenção pelo guarda-roupa justíssimo, decotadíssimo, recortadíssimo. E, sim, transparentíssimo.

A transparência é só a arma mais recente do arsenal das celebridades para fisgar likes pela roupa (ou pela falta dela). As mais consagradas são as fendas e os decotes, presentes desde sempre no vestuário das famosas. No andar de cima, variações incluem mostrar uma fatia dos seios no ângulo lateral, o sideboob, e no quartil inferior, o underboob — um atentado estético que nunca falha em seu propósito de dar o que falar. Adotado por Lady Gaga, Rihanna e pelas indefectíveis Kendall e Bella, a blusinha que acaba antes de cobrir totalmente o busto foi vista aqui recentemente expondo um pedacinho de Anitta, no clipe do novo sucesso, Paradinha. Bombou na rede.
No código de conduta das roupas para aparecer, o underboob é recurso de uso casual, de dia, na rua, enquanto a transparência, facilitada por tessituras diáfanas como tule, chiffon, organza e renda, tem mais a ver com ocasiões glamourosas. Nas passarelas, onde pode tudo, o transparente prevaleceu neste ano no tule pontilhado de bordados da Dior e nas aplicações metalizadas, também sobre tule, da Louis Vuitton, entre outras grifes poderosas. Seguindo o processo que move a indústria da moda, o sheer dress começa a ganhar versões (para ser usadas sobre uma base mais substancial que a tanguinha de Kendall) em redes populares como a Mango e a Zara. “Isso não quer dizer que todo mundo vá comprar. São peças-show e seu propósito é atrelar a marca ao mundo das celebridades”, explica a consultora de imagem Vanessa Marques. Ah, tá.
Publicado em VEJA de 5 de julho de 2017, edição nº 2537