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Outro mundo

Coluna publicada em VEJA de 25 de julho de 2018, edição nº 2592

Por Sidclei Sobral Atualizado em 4 jun 2024, 16h29 - Publicado em 20 jul 2018, 06h00

Os últimos dias da Copa levaram o mundo inteiro a descobrir a figura política mais interessante que já apareceu no noticiário há muitos e muitos anos. É essa graça de presidente da Croácia, um espetáculo de simpatia, bom humor e exuberância em estado puro que tem o nome muito feliz de Kolinda — e foi torcer pela equipe do seu país nos jogos das quartas de final e final do torneio. Até que enfim. Numa paisagem rudemente castigada, até onde a memória alcança, pelas Merkel, pelas Kirchner ou pelas Thatcher, somos premiados de repente com a visão de uma tremenda bonitona de 50 anos, uma louraça fervendo de alegria e de charme na tribuna de honra, vestida com a camiseta quadriculada em vermelho e branco do seu time. Ali, dançando na torcida, lembrou a todos nós que ainda é possível haver na chefia de um governo alguém que seja, ao mesmo tempo, uma mulher e um ser humano atraente. Para os brasileiros, então, Kolinda Grabar­-Kitarovic foi uma festa. É claro. A nós coube, em matéria de mulher­-presidente, nada menos que Dilma Rousseff — esse fenômeno de antipatia, mau humor e cara feia diante da vida, dada a falar o tempo todo coisas incompreensíveis, ditas com impaciência e um permanente ar de ameaça, sempre irritada, sempre infeliz. Kolinda e Dilma? Nada a ver.

Mas a diferença entre a sorte dos croatas e a dos brasileiros vai muito além. A desvantagem fica feia, mesmo, quando se entra nas comparações de caráter, integridade e postura como servidora pública de cada uma delas. Kolinda foi para a Copa da Rússia pagando todas as despesas do próprio bolso. Viajou junto com a torcida, num voo de baixo custo e num assento comum. Mandou que fossem descontados do seu salário os dias em que esteve fora do local de trabalho. Desceu aos vestiários, depois dos jogos, para se misturar com os jogadores — festejando ao lado deles as quartas de final, consolando a todos na derrota para a França na final. Chega assim? Da soma entre Dilma, Presidência e futebol, o que sobrou, na vida real, é a imagem de uma mulher aterrorizada na final da Copa do Mundo de 2014, em pleno Maracanã — a presidente simplesmente se escondia da torcida, no próprio país, com medo das vaias. (Seu criador, o ex-­pre­sidente Lula, que passou anos a fio vangloriando-se de ser o grande responsável por “trazer a Copa” para o Brasil, não teve coragem de ir a uma única partida durante todo o torneio.) Quanto à soma entre Dilma, Presidência e aviões, a comparação com Kolinda é outro desastre. Nossa ex torrou sabe-se lá quantos milhões de dólares viajando num ritmo alucinado para baixo e para cima por este mundo afora, no jato da Presidência da República, com cada tostão pago integralmente por você. Chegou a desviar a rota do avião oficial numa viagem da Suíça para Cuba porque queria jantar em Lisboa e passar uma noite no Hotel Ritz, onde as diárias podem superar os 25 000 reais. Quer dizer: há simplesmente um abismo entre uma mulher e a outra.

Kolinda, a graça de presidente da Croácia, pagou sua viagem para a Copa

Não se trata de má vontade nem de probleminhas secundários. O que existe realmente aí, quando se quer dizer as coisas como elas são, e não empulhar o público com cantoria ideológica de terceira classe, é a diferença entre duas maneiras de ver o papel da pessoa pública. Uma é honesta — na verdade, é exatamente aquela que o público tem o direito de esperar. A outra é desonesta. Fim de conversa. O estilo Dilma, e de praticamente todos os senhores de engenho que de uma forma ou de outra mandam no Brasil, mostra com muita clareza uma doença clássica do subdesenvolvimento: o descaso arrogante, audacioso e automático que todos eles têm pelo dinheiro público.

Presidentes da República, em especial, são uma prova viva dessa deformação administrativa e moral. Conseguiram, ao longo do tempo, construir em volta de si um monstro chamado “Presidência da República” — hoje com cerca de 20 000 funcionários, aviões, cartões de crédito e um custo anual de 650 milhões de reais, ou maior que o da Casa Real Britânica. Continuam gastando mesmo depois que deixam de ser presidentes — os cinco que estão vivos consomem entre 5 milhões e 6 milhões de reais por ano em pensões, carros, assessores, o diabo. Quando vão para a cadeia, como acontece hoje com Lula, ficam ainda mais caros, pois é preciso pagar a sua manutenção no xadrez; uns 300 000 reais por mês, no caso do ex-­presidente. Lá, por decisão da Justiça, ele mantém todos os seus benefícios — o que gera o prodígio de estar preso e, ao mesmo tempo, ter dois carros com chofer à sua disposição.

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Isto aqui é outro mundo.

 

Publicado em VEJA de 25 de julho de 2018, edição nº 2592

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