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Os dois Brasis de Hélio Bicudo

Responsável pelos pedidos de investigação sobre o Esquadrão da Morte e abertura de processo de impeachment de Dilma Roussef, o jurista morreu, aos 96 anos

Por Da Redação Atualizado em 4 jun 2024, 17h49 - Publicado em 3 ago 2018, 07h00

Das mãos da figura tímida e aparentemente frágil do jurista Hélio Pereira Bicudo, um homem de apenas 1,52 metro que nunca teve receio de enfrentar gigantes, brotaram dois documentos decisivos da recente história política brasileira.

O primeiro: em 1969, então com 47 anos, ele enviou ao Colégio de Procuradores de São Paulo um ofício em que exigia uma investigação em torno de crimes cometidos por policiais — a organização clandestina ficou conhecida como “Esquadrão da Morte”. Com a ajuda de um padre canadense da periferia paulistana, também incomodado e perplexo com o abuso das autoridades, Bicudo denunciou o delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos símbolos da repressão durante o regime militar, homem frio, calculista e vingativo. A ruidosa investigação de Bicudo seria cancelada em 1971, sem que os acusados tivessem sido responsabilizados. Mas, apoiado publicamente pelo cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, ele ajudara a “escancarar” a ditadura, na definição do jornalista Elio Gaspari.

O segundo documento seminal de Bicudo foi protocolado em setembro de 2015 na Câmara dos Deputados. Era o pedido de abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, assinado em conjunto com outro jurista, Miguel Reale Jr., e com a professora de direito Janaina Paschoal, hoje candidata a candidata a vice na chapa de Jair Bolsonaro. Na oportunidade, Bicudo argumentou que Dilma praticara as famosas “pedaladas fiscais”, usando bancos públicos para cobrir dívidas que não poderiam ter sido contraídas. Dois dos sete filhos de Bicudo discordaram do pai, que tinha então 93 anos. Disseram que ele estava em plena “capacidade de suas faculdades mentais”, mas não entenderam a nova postura. Bicudo havia sido um dos fundadores do PT; candidatara-se a vice de Lula na eleição para governador de São Paulo em 1982 (perderam para o PMDB de Franco Montoro). Mas, depois do escândalo do mensalão, em 2005, desiludido, Bicudo rompeu com o PT e trilhou o caminho que o levaria ao polo oposto.

Entre a firme atuação contra o Esquadrão da Morte e o impeachment de Dilma, Bicudo nunca perdeu a dupla condição que o marcaria, de defensor dos direitos humanos e de guardião da ética na política, ainda que o arco de suas convicções tenha mudado de cor ideológica. O filósofo Roberto Romano, ex-preso político, disse sobre ele: “Parte da esquerda de hoje, sem o trabalho de Hélio Bicudo, estaria morta”. O vereador Eduardo Suplicy, do PT, afirmou: “Sempre tive um relacionamento de respeito e amizade com ele. Quando saiu do PT, discordei de sua decisão, mas a respeitei”.

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Bicudo morreu, aos 96 anos, em decorrência de complicações de um acidente vascular cerebral (AVC). Ficara viúvo em março deste ano de Déa Pereira Wilken, com quem foi casado durante 71 anos.

 

Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2018, edição nº 2594

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