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O real e o imaginário

Com robôs e perfis falsos na internet, Bolsonaro virou um gigante no universo digital. Seu desafio é ter o mesmo tamanho na vida off-line

Por Rodrigo Rangel, Gabriel Castro e Marcela Mattos
Atualizado em 4 jun 2024, 17h39 - Publicado em 20 abr 2018, 06h00

Mal tinham sido anunciados os resultados das últimas eleições presidenciais, um homem de voz mansa procurou uma empresa de Vitória, no Espírito Santo, especializada em lustrar a imagem de políticos na internet. Era início de 2015. Falando em nome do deputado Jair Bolsonaro (PSL), de quem se dizia assessor, ele queria pôr em prática uma estratégia destinada a “posicionar” o parlamentar no mundo digital. A intenção era deixá-lo popular para alçar voos mais altos nas eleições seguintes. O método: espalhar mensagens positivas no Twitter e se infiltrar em grupos de grande audiência no Facebook para difundir textos e imagens que sugerissem um movimento político espontâneo. A empresa, já comprometida com outros candidatos, não aceitou. Mas a missão de “posicionar” o deputado nas redes foi cumprida: passados três anos, Bolsonaro é um gigante digital e líder na corrida presidencial.

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(Arte/VEJA)

Segundo o instituto Datafolha, o deputado está em segundo lugar nas pesquisas, com 15% das intenções de voto, atrás apenas do ex-presidente Lula (31%), que está preso, é ficha-suja e não poderá disputar as eleições. Nos cenários sem o petista, Bolsonaro lidera com 17%, em situação de empate técnico com a ex-ministra Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, que tem 15%. Os números do parlamentar nas simulações de primeiro turno são praticamente os mesmos da sondagem anterior, realizada em janeiro. Ainda que na liderança das pesquisas, Bolsonaro recebeu outra notícia preocupante. Se for para o segundo turno, como os números indicam, o deputado patina feio. Seria derrotado por Marina, empataria com Geraldo Alckmin (PSDB) e Ciro Gomes (PDT) e só conseguiria derrotar os nanicos petistas, Fernando Haddad e Jaques Wagner, que hoje não passam de 2% nos levantamentos sobre o primeiro turno. Diz o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino: “Bolsonaro vem desde janeiro se mantendo estável nesse patamar. Talvez tenha atingido um teto e precise ampliar mais o discurso e conquistar outros segmentos”. Correias de transmissão para o discurso, o deputado tem de sobra nas redes sociais. Uma pesquisa realizada a pedido de VEJA pela consultoria Exata Inteligência em Comunicação Digital mostra que, um ano antes da eleição, já havia um movimento planejado a favor de Bolsonaro no universo digital.

A tática é tão bem organizada que o pós-doutor em comunicação digital Sergio Denicoli, sócio da Exata e responsável pelo levantamento, enxerga sinais de interferência externa nessa mobilização, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos na campanha que elegeu Donald Trump. Lá, uma ampla investigação apura em que medida o serviço secreto russo operou para que Trump fosse eleito. Diz Denicoli, sobre o caso de Bolsonaro: “É um trabalho que parece ser milimetricamente pensado e que, até hoje, não foi utilizado no Brasil de forma tão enfática como ocorreu em alguns países. Por isso, é possível que haja interferência externa. É um formato diferenciado em relação ao marketing eleitoral brasileiro. É um trabalho hierárquico, sistematizado e, dentro do que propõe, muito eficiente”.

Ainda não se sabe se Bolsonaro está por trás da estratégia. Consultado por VEJA, ele nega qualquer ação nesse sentido. “Tudo nosso é espontâneo, mas há muitas pessoas que trabalham para mim, que confiam em mim. Não conheço 99% delas”, diz. Resta evidente, porém, que o deputado tem se beneficiado enormemente do engajamento desse exército de perfis fake e robôs. A pesquisa da Exata mostra que, entre os perfis mais ativos do Twitter cujas postagens se destinavam a influenciar o jogo político, surpreendentes 70% atuavam em favor da pré-candidatura de Bolsonaro. “Pode-se afirmar, categoricamente, que os movimentos pré-eleitorais têm sido deliberadamente influenciados por perfis on-line criados especificamente para interferir no jogo político”, concluíram os pesquisadores.

O levantamento encomendado por VEJA considerou postagens no Twitter feitas entre 7 de setembro e 7 de outubro de 2017 — o mês imediatamente anterior à data em que faltaria exatamente um ano para o primeiro turno das eleições. O trabalho se baseia na análise de big data, que coleta, filtra e qualifica a massa de informações que circula na internet. Pela metodologia, as informações sobre determinado tema são reunidas eletronicamente e, depois, organizadas de maneira a permitir o mapeamento de lógicas de comunicação que indicam opinião e tendências dos internautas. “Assim podemos encontrar padrões de comportamento do público e perceber o engajamento em torno de um objeto, seja candidato, partido, marca ou ideia”, diz Denicoli.

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No levantamento, foi analisado 1,5 mi­lhão de publicações no Twitter que mencionaram, no período estudado, os principais pré-candidatos ao Planalto. Do total, 410 000 foram difundidas pelos chamados “perfis de interferência”, que incluem robôs, perfis falsos e aqueles que são criados exclusivamente para defender ou atacar determinado político ou partido. Quase um terço de todas as menções aos pré-candidatos, portanto, estava sob influência de um movimento orquestrado. É dessa filtragem que vem a revelação sobre as forças mobilizadas para defender Bolsonaro e propagandear seu nome. Os pes­quisadores desenvolveram um sistema capaz de identificar os “perfis de interferência”. Com base em 56 critérios, definiram-se os mais ativos. Entre os 100 que mais postaram, 72 estavam empenhados em difundir mensagens pró-­Bolsonaro. São perfis que nem sempre contam com muitos seguidores (alguns têm 2 000, outros 5 000), mas que estão sempre de prontidão para replicar vídeos, fotos e textos, e também para atacar adversários. É uma tropa virtual, cuja atuação explica, em parte, por que Bolsonaro é tão maior no universo digital do que na vida real — e talvez explique, também, por que o grosso de seu eleitorado é formado por pessoas entre 16 e 34 anos, uma faixa etária particularmente ativa nas redes sociais.

Como são muitos os ativistas digitais, eles servem como atalho fácil para ocupar espaço e tentar, pela repetição, influir nos temas dominantes nas redes. Do exército de Bolsonaro, entre robôs, perfis falsos e propagandistas, o perfil Will Bolsonaro (@dr4_will) aparece na linha de frente como o mais ativo, com 549 publicações no período. Foram dezoito posts por dia, em média. Will Bolsonaro não tem foto, e não há informação alguma sobre quem o atualiza. No lugar, aparece uma bandeira do Brasil com frases de apoio ao deputado.

Com uma estratégia digital eficiente, o problema de Bolsonaro está no mundo real, que faz coligações, organiza campanha nas ruas e vai às urnas. Seu partido tem apenas oito deputados. No horário eleitoral gratuito, conta com menos de quinze segundos de TV. Sua parcela no fundo eleitoral é de módicos 9 milhões de reais. O PSL também não tem perspectiva de fazer alianças que ampliem seu alcance na campanha. Bolsonaro quer o senador Magno Malta como vice, mas o partido de Malta, o PR, com seu dote de um minuto na propaganda eleitoral, mostra-se mais interessado em outros nomes.

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Ciente do risco de isolamento, Bolsonaro, que cresceu na esteira de um discurso agressivo e radical, agora busca um pouco de moderação. Anda cuidadoso até com as palavras. “Não estou deixando de atirar para a frente, mas estou atirando com silenciador”, diz, recorrendo às invariáveis metáforas bélicas. Seu esforço para ir além do universo digital faz sentido. Segundo Carlos Pereira, cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), o sucesso nas redes sociais não garante êxito nas urnas. “São quatro fatores determinantes para uma eleição: dinheiro, capilaridade do partido na esfera local, tempo de rádio e tempo de televisão.” Bolsonaro tem pouco dinheiro, pouco tempo de rádio e TV e um partido nanico — dificuldades da política real que o mundo virtual, sozinho, ainda não se mostrou capaz de resolver.


Hierárquico, organizado e eficiente

Sergio-Denicoli
Robôs e não robôs – Denicoli: perfis de apoio a Bolsonaro buscam o embate (./.)

Doutor em comunicação social e pós-doutor em comunicação digital pela Universidade do Minho (Portugal) e pela Universidade de Westminster (Inglaterra), o pesquisador Sergio Denicoli diz enxergar nas redes sociais semelhanças entre a força motriz que levou à eleição de Trump e a estratégia digital que tem beneficiado Jair Bolsonaro na corrida ao Planalto

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Qual é a intenção por trás do uso de robôs e de perfis fake por candidatos? A intenção é, claramente, interferir no processo eleitoral, manipulando a opinião pública de forma dissimulada. É uma tentativa de fazer com que um discurso ganhe as redes e até a imprensa, como se fosse algo orgânico, natural. Mas, na verdade, são lógicas fabricadas e distribuídas por meio de estratégias de marketing digital muito bem pensadas.

Em que medida a ação de robôs e de perfis fake pode afetar os resultados de uma eleição? Ela interfere a partir do momento em que transforma algo intencionalmente fabricado em temas que passam a fazer parte das conversas nas redes e, consequentemente, do mundo off-line. E esses temas podem surgir até mesmo por meio de fake news. Uma vez que a atitude das pessoas nas redes sociais é plenamente emocional, o combustível para que algo viralize é a polêmica, é o embate, são os ataques. A guerra alimentada artificialmente faz com que posts feitos por perfis de interferência despertem atenção. De acordo com os algoritmos que ditam o funcionamento das redes, quanto mais um post gera interações, mais visibilidade tem.

Como se dá essa interferência? Por meio de perfis fake, de perfis orgânicos de influenciadores possivelmente pagos e de bots, os famosos robôs. Aliás, os bots estão cada vez mais parecidos com perfis orgânicos. São robôs da nova geração, que só podem ser detectados com o uso de inteligência artificial, pois publicam assuntos variados e se manifestam sobre política mas também outros temas, sobretudo assuntos ligados a futebol, programação de TV, mensagens religiosas e de autoajuda.

O que há de diferente em relação ao grande fluxo de perfis mobilizados em favor do pré-­candidato Jair Bolsonaro? A es­tratégia mais comum dos perfis que atuam em favor de algum pré-candidato, e Bolsonaro é um exemplo disso: a busca pelo embate. O ma­niqueís­mo é um aspecto muito positivo nas redes, no sentido de que acaba por centralizar o debate em torno dos nomes que usam essa estratégia com mais competência. Criam-se cam­pos de batalha, estimula-se o debate de ideias que se opõem, e as pessoas vão sendo automaticamente colocadas em um dos lados dessa briga. Não há meio-termo, e os extremos se autoalimentam. São duas faces da mesma moe­da. Bolsonaro vem mantendo-se em evidência por meio de polêmicas. A ati­tude dele é provocativa, e isso, em termos de marketing de redes, é muito eficiente, mas aca­ba por anular o espaço para o debate racional. Ao menos nesta fase da pré-campanha.

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Há sinais de interferência externa? As estratégias de Bolsonaro demonstram ser bastante embasadas em dados de redes. É um trabalho que parece ser milimetricamente pensado e que, até hoje, não foi utilizado no Brasil de forma tão enfática como ocorreu em alguns países. Por isso, é possível que haja interferência externa. É um formato diferenciado em relação ao marketing eleitoral brasileiro. É um trabalho hierárquico, sistematizado, organizado e, dentro do que propõe, muito eficiente.

Publicado em VEJA de 25 de abril de 2018, edição nº 2579

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