O feminismo entrou em campo
Protestos pacíficos como o do grupo Pussy Riot são bem-vindos

A final da Copa do Mundo, no domingo 15, não foi palco apenas para a categoria de jogadores como Mbappé. Na ocasião, o planeta viu também o coletivo feminista russo Pussy Riot em campo. O grupo, num protesto pacífico e criativo, tentou trazer à luz o subtexto desse Mundial: os times disputaram a taça num país onde a democracia se esvai nas mãos do todo-poderoso Vladimir Putin. A Rússia de Putin é um território onde direitos são ignorados, negligenciados, onde não há alternância de poder e onde uma polícia política age violentamente contra quem ousa manifestar contrariedade diante de tanta repressão. As meninas do Pussy Riot decidiram não deixar o apito final soar sem que isso tudo constasse da súmula e estivesse impresso nas retinas mundo afora.
O coletivo nasceu em 2011, com onze mulheres. Em 2012, com o rosto coberto por balaclavas, elas realizaram uma performance na Catedral de Cristo Salvador, em Moscou, pouco antes das eleições do mesmo ano. As integrantes reuniram-se dentro da igreja para uma “prece punk”: entoaram uma canção que denunciava a perversa relação entre Estado e Igreja no contexto russo e demandava laicidade de seu governo. O ato foi interrompido e, à época, duas garotas do grupo foram presas por “hooliganismo motivado por ódio religioso”. Cumpriram vinte e dois meses na prisão.
Putin não foi capaz de prever a onda de apoio que teriam essas vozes femininas e feministas que clamam por liberdade. Desde a performance na catedral, as meninas do Pussy Riot ganharam prestígio em outros países. A Anistia Internacional as chama de “prisioneiras da consciência”. As jovens chegaram até a fazer uma participação na terceira temporada da série americana House of Cards, produzida pela Netflix. Martin Luther King, Jr. dizia que a injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todos os lugares. É essa a natureza da simpatia que tantas e tantos nutrem pelo Pussy Riot.
No protesto na Copa, as meninas, agora célebres, dispensaram as máscaras. Mas seguem comprometidas com tudo o que sempre esteve no DNA do grupo: a denúncia da opressão política, da desigualdade econômica e do desrespeito aos direitos humanos na Rússia; a defesa da igualdade de gênero. Vestidas de policiais, essas bravas mulheres interromperam a partida por breves segundos e foram, como esperado, prontamente retiradas do estádio. Nas mídias sociais, o coletivo assumiu a autoria do ato, lembrou que o governo prende cidadãs e cidadãos apenas por curtirem e compartilharem conteúdos que desagradam às autoridades locais e pediu por democracia. No breve balé que protagonizou durante a partida, o Pussy Riot trouxe a campo a força feminina, que resiste aos piores abusos e encontra maneiras criativas e pacíficas de denunciá-los. No mar de testosterona que tomava o gramado, as meninas do grupo eram ilhas de potência feminista. Em todos os cantos, outras ilhas como eu acenderam seus faróis. Oxalá o arquipélago que formamos possa iluminar caminhos melhores para todas. E levar todos conosco.
Publicado em VEJA de 25 de julho de 2018, edição nº 2592