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O superstar do gueto

Como Leno Maycon, o Nego do Borel, saiu da favela cujo nome adotou para se tornar o principal astro masculino da vertente pop do funk

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 20h56 - Publicado em 27 out 2017, 06h00

Roseli Viana sentiu um aperto no coração quando seu único filho, Leno Maycon, chegou em casa com um aparelho dentário. Disse ao rapaz que não teria como bancar o tratamento ortodôntico — ainda que em parcelas mensais de 50 reais “a perder de vista”. Maycon, no entanto, tinha outros planos. Talento em ascensão no oscilante mundo do funk carioca, acreditava que logo multiplicaria os caraminguás arrecadados em bailes do Rio. “Ele garantiu que consertaria os dentes e que em pouco tempo eu não precisaria trabalhar”, recorda-se Roseli. Cinco anos depois, o trabalho de diarista ficou realmente para trás. O filho acomodou a mãe em sua luxuosa casa no Recreio, na Zona Oeste do Rio, e ainda lhe presenteou com um possante Chevrolet Tracker (e Roseli nem tem carteira de motorista). Tudo fruto do sucesso de Leno Maycon — aliás, Nego do Borel. Ele hoje faz cerca de quinze apresentações mensais, a um cachê médio de 60 000 reais. Na semana passada, consagrando o trânsito feliz de suas canções entre morro e asfalto, Nego do Borel estreou o single Eu Vacilei, Mas Eu Te Amo. Como estratégia de divulgação, 32 celebridades — entre elas a atriz Juliana Paes, o cantor Wesley Safadão e a apresentadora Sabrina Sato — apareceram cantando trechos da música no Instagram. “Sou talentoso, lindo, gostoso — e modesto”, diz o funkeiro.

Nascido há 25 anos na favela que lhe deu o nome artístico, Maycon pouco fala do pai — prefere dizer que ele “morreu”. Esse pai ausente contribuiu com o nome do menino: Leno Maycon é uma homenagem abrasileirada a ­John Lennon e Michael Jackson. Na infância, sonhava ser jogador de futebol. Foi lateral no time infantil do Fluminense. “Mas eu só tinha fôlego para ir, não conseguia voltar”, brinca. Abandonado o sonho futebolístico, o funk despontou como alternativa. Em 2012, Nego do Borel participou do grupo de dança Bonde das Maravilhas. “Eu chamei as dançarinas para se apresentar na minha festa de aniversário. Prometi 400 reais, paguei 200, mas assim mesmo elas deram um empurrão na minha carreira.” Dois anos mais tarde, veio Ah, Não, o Brinquedo Não, a primeira de suas canções a chegar à Zona Sul do Rio.

Raiz no morro – Nego, no Borel: carinho pelo Dia das Crianças, a única data em que ganhava presentes na infância
RAIZ NO MORRO – Nego, no Borel: carinho pelo Dia das Crianças, a única data em que ganhava presentes na infância (Marcos Michael/VEJA)

Nego já foi do “proibidão”, estilo de funk que flerta com a criminalidade e a pornografia, e depois enveredou pela vertente da ostentação. Mas não faz mais nem pinta de marginal nem de novo-rico: seu funk agora é mais pop e radiofônico. “Ele se reinventou. É um artista que oferece um produto a plateias diferenciadas”, analisa o produtor cultural Julio Ludemir, autor de 101 Funks que Você Tem de Ouvir Antes de Morrer. “Os MC’s estão percebendo que podem ter uma vida útil muito maior no pop”, atesta Kamilla Fialho, empresária responsável pelo início da carreira de Anitta.

“Queria tocar na programação normal da rádio, não ficar restrito aos programas de funk”, diz Nego. Para realizar essa ambição, uniu-se ao produtor Umberto Tavares, responsável pela conversão de Anitta e Ludmilla ao universo pop. “Ele me procurou para fazer um reposicionamento de carreira”, diz o produtor. O resultado foi Não Me Deixe Sozinho, até hoje uma de suas músicas mais populares. Ainda em 2015, veio o contrato com a Sony Music, episódio em que Nego do Borel revelou sua faceta trocista. Conta Paulo Junqueiro, presidente da gravadora: “Ele olhou para mim e disse: ‘Esse cara feio, gordo e careca é presidente da Sony?’. Mandei contratá-lo no ato”. E no mesmo ano foi coroado com o papel em Malhação, novela na qual viveu o personagem Cleyton por duas temporadas (hoje, está no novo Os Trapalhões), e com o hit Você Roubou Meu Coração, parceria com Anitta e Wesley Safadão. “Participar de uma canção com esses dois foi um presente. Nego é meu irmão”, derrete-se Safadão. O irmão fala do esforço conjunto com menos reverência e mais gabolice: “Está vendo? Os dois gravaram comigo e passaram para um patamar superior”.

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Nego do Borel já não vive no Borel, mas não perdeu o contato com o lugar. Faz questão, por exemplo, de animar o Dia das Crianças do morro. “Gosto do Dia das Crianças. Era quando eu ganhava presente. No meu aniversário, o máximo que tinha era um bolo decorado com pipoca, feito pela minha avó”, lembra. VEJA acompanhou Nego em sua visita ao Borel no dia 12 de outubro. É um lugar em que se deve tomar cuidado por onde se anda (e com quem se fotografa). Mas Nego do Borel estava em casa: distribuiu presentes à criançada, fez selfies com fãs e conversou com amigos.

No mundo do asfalto, Nego do Borel é uma marca de sucesso que referenda outras marcas — faz comercial de supermercado e celular. “Ele é de ponta, pode validar qualquer coisa”, avalia o publicitário Sérgio Amado. Tal como a amiga Anitta, Nego tem ambições internacionais. O plano da gravadora é lançá-­lo no reggaeton, aquele gênero meio jamaicano, meio qualquer coisa do fenômeno Despacito. Falta melhorar o inglês e também a técnica vocal — com seus antecedentes de rapper, Nego do Borel às vezes mais verseja do que canta. No plano pessoal, o artista, que já foi “muito safadinho” (é ele quem diz), está de namoro firme, há um ano, com Julia Schiavi, modelo de 19 anos. O aperto com o aparelho ortodôntico, como se vê, ficou no passado. Dois anos atrás, Nego do Borel gastou 150 000 reais em facetas de porcelana. Mas não sorri para qualquer um.

Publicado em VEJA de 1º de novembro de 2017, edição nº 2554

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