Não pedale, Meirelles
Com o déficit correndo solto, governo suspende o reajuste do Bolsa Família e reduz a prestação de serviços à população — tudo para evitar magias contábeis
A suspensão da emissão de passaportes pela Polícia Federal e a redução das atividades da Polícia Rodoviária Federal nas estradas, que chamaram a atenção dos brasileiros nos últimos dias, são dois sintomas de um mal maior: o Estado brasileiro enfrenta uma grave crise de limitação de recursos. De janeiro a maio, o governo gastou 35 bilhões de reais a mais do que arrecadou, um rombo quase 50% maior em relação ao observado no mesmo período de 2016. O resultado foi influenciado pela antecipação do pagamento de 10 bilhões de reais em precatórios (pagamentos de causas judiciais) em maio, mas isso não muda o fato de que, nas atuais circunstâncias, o governo terá dificuldade para cumprir a meta fiscal a que se propôs para 2017: encerrar o ano com um déficit de 139 bilhões de reais. Nos doze meses acumulados até maio, o rombo chegou a 168 bilhões de reais. No mercado, poucos analistas acreditam que o governo vá cumprir a meta, em razão dos efeitos da crise política sobre a economia real. Buscar o reequilíbrio das contas públicas é fundamental para recuperar a capacidade de investimento do Estado e para reduzir o custo do capital, o que estimulará a retomada do crescimento econômico.
A principal razão para o aumento do déficit é o fraco desempenho das receitas, que caíram 2% neste ano. Na outra ponta, o governo até tem se esforçado em reduzir gastos neste momento de crise. Os reflexos são sentidos em serviços como a emissão de passaportes, mas não só. Foi abandonada a ideia de reajustar os benefícios do Bolsa Família, cujo poder de compra foi corroído pela inflação. O governo estuda ainda acabar com o abono salarial, um complemento pago a salários inferiores a dois mínimos. Enquanto os mais pobres saem perdendo, as despesas com a Previdência subiram 14,5 bilhões de reais nos cinco primeiros meses do ano.
Diante das dificuldades orçamentárias e com as reformas paralisadas pela crise política, o governo busca maneiras de engordar o caixa. Se tudo caminhar dentro do previsto, poderá receber 28 bilhões de reais de privatizações, a exemplo de rodovias e terminais portuários. Mas há dúvidas sobre o interesse privado e a própria capacidade do governo de pôr esses ativos à venda. Outros 22 bilhões de reais podem vir dos programas de repatriação de recursos do exterior e de regularização de dívidas em atraso (o Refis). Entraram em análise iniciativas como a privatização de usinas hidrelétricas e a abertura de capital da Infraero. O plano de venda no setor elétrico poderia render até 53 bilhões de reais nos próximos anos.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já não descarta um aumento de impostos para cumprir a meta. Seria uma alternativa menos pior que a reedição das pedaladas contábeis. Mas, antes de a sociedade ser novamente chamada a bancar a conta dos desajustes públicos, cabe ao governo redobrar os esforços para cortar seus gastos e empenhar-se pela aprovação das reformas.
Publicado em VEJA de 12 de julho de 2017, edição nº 2538