Memória: Vadão e Jimmy Cobb
Treinador de futebol e músico de jazz faleceram nessa semana
Se a seleção de Cruyff, Neeskens, Rensenbrink e cia., dirigida por Rinus Michels, entrou para a história, na Copa do Mundo de 1974, como o “carrossel holandês”, por que não apelidar o excelente time do Mogi Mirim de 1992 de “carrossel caipira”? Na equipe montada por Oswaldo Fumeiro Alvarez, o Vadão, tal qual na inspiração europeia, os jogadores não guardavam posição, movimentavam-se sem parar, atacavam e, ao perder a bola, defendiam com rapidez. Era, no jargão do futebol, o esquema 3-5-2 — ou seja, a espinha dorsal era composta de cinco jogadores que, no meio de campo, faziam a engrenagem andar. Era bom de ver, nos estádios ou pela televisão. Os destaques: Rivaldo, Leto e Válber. Rivaldo, talvez nem fosse preciso sublinhar, foi um dos responsáveis pelo penta da seleção, em 2002. No apogeu daquele grupo, que não chegou a ser campeão paulista, mas assustou os grandes, Vadão se habituou à discrição, a seu feitio, calado, exageradamente modesto. Somente anos depois é que admitiria: “Acho que era realmente revolucionário”.
Foi o primeiro trabalho de sucesso do treinador que, em seguida, giraria pelo Brasil — em Campinas, treinou os dois clubes locais, o Guarani e a Ponte Preta. Ali é conhecido como “mister Dérbi”, por nunca ter perdido um clássico da cidade — conseguiu cinco vitórias (quatro pelo Guarani e uma pela Ponte) e quatro empates. Dirigiu também o Corinthians e o São Paulo — clube pelo qual lançou Kaká. Em 2014, Vadão daria um novo salto, convidado pela CBF a comandar a seleção feminina. Levou o time ao quarto lugar na Olimpíada de 2016, no Rio. Foi demitido, mas retornou ao cargo em 2017 — chegou até as oitavas de final da Copa do Mundo de 2019, na França, vencida pelos Estados Unidos. “Vá em paz, professor”, postou a atacante Marta. Vadão morreu aos 63 anos, em São Paulo, de câncer no fígado.
No ritmo do jazz
Em 1958, Jimmy Cobb sobrevivia fazendo bicos como baterista nos clubes de jazz de Nova York, eventualmente como músico-substituto na banda de Miles Davis. Certo dia, às 6 da tarde, Davis ligou para sua casa perguntando se ele poderia fazer um show naquela mesma noite. Detalhe capcioso: a apresentação seria em Boston, a 350 quilômetros dali. Ele não pensou duas vezes, empacotou a bateria e foi para o aeroporto. Chegou ao clube no momento em que a banda tocava a sequência rítmica de Round Midnight. Cobb montou a bateria e entrou bem a tempo de participar do clímax. “A partir daí, eu já estava na banda. Sem ensaio, sem nada”, lembrou. No ano seguinte, Cobb entraria para a história ao participar da gravação da obra mítica de Davis: Kind of Blue, o disco de jazz mais vendido do mundo, engrossando um time de feras como John Coltrane (saxofone) e Bill Evans (piano). Nascido em janeiro de 1929, em Washington, ele era filho de uma empregada doméstica e um motorista de táxi. Autodidata, raramente fazia solos e sua marca registrada era a forma tranquila, quase casual, com que batia no chimbau sem nunca perder o ritmo. Ele morreu no domingo 24, aos 91 anos, de câncer no pulmão, no Harlem, em Nova York.
Publicado em VEJA de 3 de junho de 2020, edição nº 2689