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Jesús López de Bobadilla: A fome é maior que o medo

O padre espanhol radicado há 9 anos em Pacaraima recebeu ameaças por acolher venezuelanos na Pastoral do Migrante da cidade onde explodiu um ataque xenófobo

Por João Batista Jr., de Pacaraima
Atualizado em 31 ago 2018, 07h00 - Publicado em 31 ago 2018, 07h00

Por que venezuelanos foram expulsos violentamente da cidade no sábado 18? Foi um caso claro de xenofobia, no qual todos falhamos: Estado, população e Igreja. Uma das causas foi não termos escutado o grito de revolta da população local. O hospital ficou lotado, assaltos viraram rotina em um município antes pacato. O governo viu o colapso instalar-se sem tomar nenhuma atitude, então a população deixou florescer o sentimento de raiva. E a Igreja acolheu os venezuelanos sem perceber que o morador local também precisava de ajuda.

Como se deu o aumento da xenofobia? Há mais de dez anos, houve uma briga pela demarcação de terras dos índios da tribo macuxi (na reserva Raposa Serra do Sol). Detestar índios é uma variante da xenofobia, com a diferença de que eles viviam aqui antes. Desde então, tudo estava calmo, até o chavismo obrigar os venezuelanos a fugir — pois nenhum deles veio ao Brasil para fazer turismo. O processo de raiva contra os vizinhos foi gradativo. Há cinco anos, vieram os venezuelanos com um pouco de condição financeira. O preço do aluguel na cidade subiu e os mercados ficaram lotados. De um ano para cá, chegaram em peso os mais necessitados — sobretudo procedentes da região de Tucupi, a centenas de quilômetros de Pacaraima. Eles passaram a dormir nas ruas, e a prostituição de menores e os assaltos começaram. Foi o ambiente perfeito para aflorar a xenofobia, alimentada pelos políticos.

E como os políticos alimentam a xenofobia? Os políticos não cuidam dos brasileiros nem dos venezuelanos, mas decidiram culpar os migrantes pelo colapso da saúde e assistência social. Ganham votos quando apontam para um único responsável por todos os problemas. No dia seguinte ao do ataque, a go­ver­nadora Suely Campos (PP), de Roraima, chegou aqui com uma pose parecida com a dos imperadores romanos retratados em filmes, quando na cena final se orgulham por ter derrotado determinado povo. Ela nunca escutou os apelos que fizemos, mas veio à cidade para ganhar votos e tentar se reeleger.

Os venezuelanos já retornaram? Dois dias após a expulsão, 500 venezuelanos estavam à porta da minha igreja. Sabe por quê? A fome é maior que o medo. A fome é tão grande que muitos andam centenas de quilômetros a pé para ter um futuro. Hoje, já voltei a servir 1 700 cafés da manhã por dia. Tem gente na cidade que me ameaça por acolhê-los. Vejo isso como uma medalha. Ser cristão é ajudar o próximo, não apenas ir à missa.

Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2018, edição nº 2598

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