Horror cotidiano
Mais de 61 000 brasileiros foram assassinados em 2016, uma aterradora estatística que equipara o país a regiões em guerra
A cada oito minutos, um brasileiro foi assassinado em 2016. Foram sete óbitos por hora. O saldo de mortes violentas chegou a 61 619 no ano passado — desse total, 92% são homens. Trata-se de um genocídio cuja aterradora estatística equivale ao número de japoneses que perderam a vida no ataque da bomba nuclear de plutônio que dizimou a cidade de Nagasaki, em 9 de agosto de 1945, ao cabo da II Guerra. Não foi uma temporada fora da curva. Nos últimos cinco anos, o Brasil sepultou mais de 340 000 vítimas de assassinato, 40 000 a mais em comparação com a quantidade de mortes provocadas pela guerra na Síria no mesmo período. Há uma tragédia brasileira.
Os dados alarmantes foram divulgados no 11º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), entidade sem fins lucrativos, cujas informações foram coletadas por meio da Lei de Acesso à Informação. “São números que ameaçam a nossa democracia”, diz o sociólogo Renato Sérgio de Lima, um dos coordenadores do fórum. “O medo da violência solapa nossa capacidade de reação. E a sensação de insegurança leva boa parte da sociedade a defender a supressão de direitos e a perder a convicção na cidadania.” E como não perdê-la, ante estatísticas tão acachapantes?
O número de casos de homicídio doloso cresceu 8,2% de 2012 para cá, chegando a 54 356 em 2016. Houve explosão nas estatísticas de policiais mortos e de policiais que mataram (sete em cada dez alvos são negros e pardos, e aí está a tragédia dentro da tragédia). Chama atenção a explosão de latrocínios, os roubos seguidos de morte. “Geralmente, os latrocínios são cometidos por criminosos iniciantes e inexperientes, que estão longe de ser profissionais. E o mais decisivo: quem mata e morre no país são, na imensa maioria, jovens”, diz Guaracy Mingardi, ex-subsecretário nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Para ficar no recorte de mortes por policiais em operações contra o crime: 65,2% das vítimas tinham entre 18 e 29 anos; 16,6%, entre 12 e 17 anos; e 14,5%, entre 30 e 39 anos.
O índice de mortes violentas varia entre os estados. A taxa mais baixa, de onze para cada grupo de 100 000 habitantes, verifica-se em São Paulo. As três mais altas se encontram no Nordeste — em Sergipe (64), Rio Grande do Norte (56,9) e Alagoas (55,9). Uma taxa acima de quarenta mortes por 100 000 habitantes equivale à de uma zona de guerra.
Tudo somado, parece não haver janela de esperança a curto prazo, uma vez que não existem políticas eficazes contra a violência urbana e o fosso social entre os mais ricos e os mais pobres se amplia exponencialmente. O futuro é sombrio quando se põem os olhos em outro dado revelado pelo Unicef, o de assassinatos de crianças e adolescentes. O Brasil ocupa o sétimo lugar no ranking de nações onde mais se mata nessa faixa etária, acima de países como o Afeganistão. Nisso, o Brasil é uma vergonha mundial.
Publicado em VEJA de 8 de novembro de 2017, edição nº 2555