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Os critérios usados pelos candidatos para escolher seu eventual substituto passaram longe da hipótese de um dia o vice assumir o cargo

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 17h44 - Publicado em 10 ago 2018, 07h00

Historicamente, os candidatos a vice-presidente da República são escolhidos por conveniências políticas e arranjos eleitorais. A tradição já resultou em desastres homéricos, mas ainda não teve efeito pedagógico. Líder nas pesquisas de intenção de voto, o deputado Jair Bolsonaro (PSL) não sabia quem seria seu companheiro de chapa até o último minuto do prazo legal para apresentar a indicação. Foi um processo complicado. Começou com a negativa do senador Magno Malta (PR), o preferido do presidenciável, passou por uma lista que contou com ao menos outros sete nomes — incluindo um cartola e um astronauta — e, finalmente, Bolsonaro decidiu-se por um príncipe: Luiz Phi­lip­pe de Orleans e Bragança, trineto da princesa Isabel. Horas antes do anúncio oficial, porém, Bragança recebeu uma ligação. Um assessor de Bolsonaro informou que ele não seria mais indicado a vice. O motivo alegado: a Polícia Federal teria um vídeo em que o príncipe apareceria espancando alguém. Surpreso, Bragança ainda tentou explicar que a história era inverossímil porque ele nunca espancara ninguém. Não adiantou. Bolsonaro, na sequência, anunciou um general como seu parceiro na disputa.

Antonio Hamilton Martins Mourão, de 64 anos, o escolhido, é sobrinho do general Olympio Mourão Filho, um dos principais articuladores do golpe militar de 1964. Foi contemporâneo de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras e ganhou notoriedade durante o impeachment de Dilma Rousseff ao defender a intervenção militar. Como candidato a vice, começou tropeçando. Em sua primeira aparição pública, ao discorrer sobre o estágio de desenvolvimento do país e as dificuldades para avançar, responsabilizou por essa situação a “indolência” herdada dos índios e a “malandragem” absorvida dos africanos. Depois, procurou contemporizar. “Estão querendo me colocar como racista. Nada disso”, disse a VEJA. Bolsonaro tentou ajudar. Disse que “malandragem” é “esperteza”, dando-lhe um sentido positivo, e que “indolência” é “capacidade de perdoar”. Segundo o Dicionário Houaiss, não é: quer dizer “preguiça”, “ócio”, “indiferença”.

Filiado ao nanico PRTB, Mourão foi escolhido porque dobrará o tempo de Bolsonaro na propaganda eleitoral, de sete para catorze segundos. É mais uma prova de que, outra vez, a indicação dos vices foi pautada por estratégias eleitorais, conchavos políticos, alianças partidárias e pequenos interesses — sem levar em conta a capacidade do escolhido para assumir no impedimento do titular.

A história recente mostra que essa possibilidade é considerável: dos cinco presidentes desde a redemocratização, em 1985, um morreu (Tancredo Neves) e dois sofreram processo de impeachment (Fernando Collor e Dilma Rousseff) — e foram substituídos por seus vices, José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer, respectivamente. “O vice é muito importante diante do desarranjo permanente das nossas instituições políticas”, afirma o cientista político Paulo Kramer.

Quatro candidatos optaram por mulheres: Ciro Gomes (PDT) escolheu a senadora Kátia Abreu; Geraldo Alckmin (PSDB), a senadora Ana Amélia (PP); Guilherme Boulos (PSOL), a ativista Sonia Guajajara; e Fernando Haddad (PT), a ex-deputada federal Manuela d’Ávila (PCdoB). As mulheres são a maior fatia do eleitorado — 52% — e representam 80% dos indecisos. O tempo de TV, considerado um trunfo eleitoral, foi outro fator colocado na balança. O grupo de partidos conhecido como Centrão foi cobiçado pelos principais candidatos, mas fechou com Alckmin, garantindo ao tucano quase metade de todo o horário eleitoral gratuito. O nome de Ana Amélia foi parte desse acordo. Marina Silva (Rede), a segunda colocada nas pesquisas, aliou-se ao PV, que indicou o ex-deputado Eduardo Jorge para a chapa, e ganhou mais treze segundos de propaganda na TV.

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O cientista político Antonio Lavareda adverte que, além de questões de gênero e de estratégia, os partidos deveriam observar se o vice tem os mesmos atributos exigidos do titular. “É preciso ter preparo, conhecimento do país, capacidade de organizar e articular um ministério e uma maioria no Congresso”, diz. Temer reunia as características de um vice “perfeito”: agregava tempo de TV, era discreto e não criava problemas. “Não seremos apenas aliados. Seremos o próprio governo”, discursou ele, em 2014, quando a chapa se definiu. Era mera retórica, mas o imponderável aconteceu.

Publicado em VEJA de 15 de agosto de 2018, edição nº 2595

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