Ela manda em Moro
Casada com o juiz da Lava-Jato, a advogada paranaense Rosangela Moro conta como a força-tarefa impactou sua vida, sua família e seu marido famoso

Desde que a operação Lava-Jato transformou o juiz Sergio Moro em protagonista da história recente do Brasil, não foi só a vida de corruptos e corruptores que mudou. Em Curitiba, Rosangela Maria Wolff de Quadros Moro, mulher do juiz, também viu sua rotina e a de sua família virar de cabeça para baixo. Advogada tributarista e especializada na defesa de entidades do terceiro setor, Rosangela, de 43 anos, hoje é obrigada a usar escolta, carros blindados e a preocupar-se em saber quem aperta sua mão. Profissionalmente, conta que já perdeu casos depois de o cliente descobrir quem é seu marido. Se o sobrenome atrapalha de vez em quando, não chega a impedi-la de ter brilho próprio. “Nunca atuei à sombra do Sergio”, diz. Em seu escritório, em Curitiba, Rosangela recebeu VEJA para a seguinte entrevista.
Quando a Lava-Jato entrou na vida da senhora? Nunca. A força-tarefa não chegou em casa. Quando o Sergio leva trabalho para casa, ele se tranca no escritório. Na vida dele é claro que a operação acarretou um volume alto de trabalho. Mas o que mudou na nossa rotina foi o assédio e o interesse das pessoas.
O sobrenome Moro ajuda sua vida profissional? Só atrapalha. Muitas pessoas me oferecem causas só porque sou casada com o juiz da Lava-Jato. Recuso todas. Por outro lado, há casos que chegam ao meu escritório por indicação e, quando descobrem que sou mulher do Sergio, desistem de mim. Sem falar nos que marcam hora e vêm até aqui tomar o meu tempo só para tentar algum tipo de aproximação em função do trabalho do Sergio. A verdade é que minha especialidade está bem distante do universo da Lava-Jato: é direito tributário e terceiro setor. Abri meu escritório há doze anos, ou seja, bem antes da operação. Nunca atuei à sombra do Sergio. Ele está fazendo o trabalho dele, e em dois anos ninguém nem vai lembrar da Lava-Jato. A poeira vai baixar, as coisas se acomodarão. Não que eu ache que a corrupção vá acabar. Só que outras pessoas entrarão em cena, outros juízes, outros procuradores. O foco vai mudar, e meu projeto de vida não é pôr estrelinhas na cabeça dele e na minha para mostrar quem fez mais.
Quando a sua vida cruzou com a do juiz Sergio Moro? Ele foi meu professor de direito constitucional no último semestre da faculdade. Havia acabado de tomar posse como juiz e dava aulas. Era bem novo, tinha 20 e poucos anos. No início, fiquei com muita raiva dele porque estávamos perto de concluir a graduação e só pensávamos em festa. E ele surgiu com uma série de exigências, muito severo, cheio de gás, apresentando teses dificílimas. Estudei dobrado para passar.
“Aprendi que a internet é uma bomba e que se expor nas redes sociais é algo que pode ser usado para o bem e para o mal. Hoje, analiso com mais rigor antes de postar qualquer foto”
Quando se apaixonaram? Eu namorava outra pessoa e só o via como professor. Mas, ao acabar o curso, também terminei meu relacionamento. Queria um tempo sozinha para respirar, curtir a vida de solteira. Foi aí que, em uma festa com amigos, encontrei o Sergio. Engatamos uma conversa e descobrimos muitas afinidades. Em dado momento, chamei-o de professor e ele me pediu que não o chamasse mais assim. Eu pensei na hora: “Ops!”. Virei a chavinha e comecei a olhá-lo com outros olhos. Nessa mesma noite, ficamos. E, logo em seguida, começamos a namorar. Um ano depois, ele me pediu em casamento.
Foi difícil adaptar-se à vida de mulher de juiz? Quando nos casamos, o Sergio foi promovido a juiz titular em Cascavel, a quase 500 quilômetros de Curitiba. Era uma cidade pequena e, por causa disso, estar casada com o juiz implicava ter uma vida de limitações. Recebíamos convites de políticos, do prefeito, de empresários e de toda sorte de gente, mas, para evitar conflitos de interesse, dizíamos sempre “não”. Era complicado ter vida social. Ficávamos em casa o tempo todo. Éramos eu e ele, ele e eu. Não tínhamos contato nem com parentes, porque eles moravam longe.
A senhora, então, largou tudo para seguir seu marido. Faria isso novamente? Sim, larguei. Mas eu me recusei a ser só a esposa do juiz. Em Cascavel, aluguei uma sala comercial e comecei a trabalhar feito louca como correspondente de escritórios de advocacia da capital. Fazia muito dinheiro. Ganhava um salário mínimo por dia, ou seja, mais do que o Sergio naquela época. Tinha audiência todo santo dia. Fui feliz em Cascavel. Mas hoje não largaria tudo para ir morar em outra cidade por causa de marido. Fiz isso no passado porque estava loucamente apaixonada.
E hoje não está mais? Não é como antes. A paixão daquele tempo amadureceu e se transformou em amor. E naquela época eu não acreditava que recém-casados pudessem viver em cidades diferentes. Hoje, acho que isso é perfeitamente possível. Eu, por exemplo, sou totalmente independente. Só parei de trabalhar durante a gravidez. E, mesmo assim, jamais pedi dinheiro ao Sergio. Sempre tive minhas reservas.
E ele? Já pediu dinheiro à senhora? Algumas vezes. Até porque ele tem salário fixo de servidor público. E para mim, que atuo na iniciativa privada, o céu é o limite.
Quais os requisitos para um relacionamento duradouro? Respeitar o espaço do outro e querer vê-lo feliz. O Sergio gosta de dar aula todas as noites. Então não vejo problema se isso o faz feliz. Ele também me empurra para a frente na vida. Somos um time. Jogamos juntos. Eu tenho um lema: aquele que não quer o seu bem e o seu crescimento não o ama. Mas também não vejo nada de errado na mulher que abre mão de uma profissão por causa de um relacionamento.
Quando a senhora teve consciência de que a Lava-Jato havia mudado a vida de sua família? Quando eu e o Sergio começamos a ser abordados na rua. Muita gente dizia gostar do que ele fazia. Mas muitos também vinham criticar. Ele sempre ouviu os dois lados.
Como surgiu a ideia de criar a página “Eu Moro com ele”? As pessoas começaram a assediá-lo demais, mandar mimos para o gabinete e para o meu escritório. Criei a página como forma de agradecer. Hoje, ela é um canal para elogios e críticas.
Que tipo de presente seu marido recebe? Santinhos, camisetas, livros. Outro dia saiu na imprensa que ele levava uma “quentinha” para o gabinete. Na semana seguinte, ele ganhou um marmitex de plástico.
O assédio a Moro lhe desperta ciúme? Sou ciumenta, sim. Mas, se acontecer algo, serei a primeira a saber — e por ele, que me conta tudo. O Sergio é um homem muito certinho, prega bons exemplos, trabalha sempre com a verdade. Uma vez, estávamos em um restaurante e ele recebeu um bilhete com o telefone de uma mulher: “Me liga”, estava escrito. Ele me mostrou e demos risada. Não tenho controle sobre o assédio e os sonhos que as mulheres venham eventualmente a ter com ele. Isso não me preocupa. O que me preocupa é a postura dele em relação a isso. E posso garantir que nunca fui desrespeitada.
Sergio Moro dispõe de tempo para a família? Como temos duas crianças, assim que ele chega em casa, elas passam a ser o centro das atenções. Não ficamos falando da força-tarefa. A gente se senta e assiste a um filme. No fim de semana, vimos Fragmentado, um filme em que o protagonista tem várias personalidades. O máximo que o Sergio faz é trancar-se no escritório que tem em casa e ficar lá trabalhando. Mas nada do que ele faz ali resvala na sala, para as crianças.
Em alguns relacionamentos, sempre há um que manda e o outro que obedece. Isso acontece na sua casa? Lá em casa, sou eu que mando. As rédeas estão comigo.
No ano passado, a senhora usou uma máscara de folião com o rosto do seu marido e foi muito criticada ao postar a foto nas redes sociais. Arrependeu-se? Sim. Foi uma brincadeira que virou uma situação infeliz. Estava num churrasco na casa de amigos, pus a máscara e pedi ao Sergio que tirasse uma foto. Por um lapso, ele apareceu no reflexo do espelho, o que deu origem a todas aquelas críticas (o juiz foi acusado de estar inebriado com a popularidade). Aprendi que a internet é uma bomba e que se expor nas redes sociais é algo que pode ser usado para o bem e para o mal. Hoje, analiso com mais rigor antes de postar qualquer foto.
Como evitar as armadilhas da superexposição ? Sou uma pessoa reservada por natureza, então é mais tranquilo. Meu rol de amigos não passa de cinco. Eu agrego conhecidos, mas sempre com cautela. Preciso saber quem são as pessoas que apertam a minha mão. Acabo, por exemplo, indo aos mesmos restaurantes porque sei quem são os donos.
“Há uma elite produtiva que simplesmente parou de acreditar no país, o que é ruim para o nosso futuro. A Lava-Jato veio para que deixemos de varrer a sujeira para debaixo do tapete”
Recentemente a senhora contratou uma consultora de imagem. Por quê? Todo mundo pensa que foi porque me preocupo com o cabelo, a roupa e os sapatos. Não é só isso. Olhe como as minhas unhas estão precisando de uma manicure. Na verdade, o principal objetivo é que a minha consultora analise os convites que recebo — de entrevistas, por exemplo. Tem tanta gente querendo pegar o Sergio que não podemos vacilar. Se sou convidada para uma entrevista, tenho de saber aonde estou indo e quem está me fazendo perguntas. Preciso ter cuidados. Há muitas pessoas interessadas em desconstruir a imagem do Sergio, e elas podem tentar fazer isso através da mulher dele.
O que a senhora achou da sentença do seu marido condenando o ex-presidente Lula? Juro que não li. Mas sei que o Sergio foi muito técnico e decidiu conforme os autos. Não fico feliz em ver condenações de quem nos representa. É triste, muito triste. Não acho injusto, mas acho triste. Cada um faz a sua parte. Criminosos cometem crimes e, se descobertos, respondem por eles, e os tribunais decidem. As instituições estão trabalhando com seriedade. Só isso.
A senhora acredita numa transformação do país? Não posso perder as esperanças. Vejo muita gente, amigos meus, indo embora por causa da corrupção. Há uma elite produtiva e intelectual que simplesmente parou de acreditar, e isso é muito ruim para o nosso futuro. Acho que a Lava-Jato veio para que deixemos de varrer a sujeira para debaixo do tapete. É um pontapé inicial. A partir dela, as pessoas estão cobrando mais. Mas também temos de fazer a nossa parte: parar de furar fila, de estacionar na vaga de idoso sem ter direito a ela… Ao visitar Portugal, meses atrás, fui abordada por portugueses que falavam com orgulho do seu país. Isso não acontece no Brasil. Mas espero que as pessoas um dia tenham orgulho de morar aqui.
Publicado em VEJA de 26 de julho de 2017, edição nº 2540