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Dureza, general

Coluna publicada em VEJA de 28 de fevereiro de 2018, edição nº 2571

Por Roberto Pompeu de Toledo
Atualizado em 4 jun 2024, 16h54 - Publicado em 23 fev 2018, 06h00

Nos ombros do general Walter Souza Braga Netto repousa a mais espinhosa tarefa da presente quadra: dar um mínimo de consistência a uma megaoperação de marketing. Se havia alguma dúvida sobre a alma marqueteira da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, foi dissolvida pelas descaradas declarações do próprio marqueteiro de Temer, Elsinho Mouco, ao colunista Bernardo Mello Franco, de O Globo: “Viramos a agenda. (…) Hoje a maior preocupação do brasileiro é com a segurança pública (…). O Temer jogou todas as fichas na intervenção (…). Ele já é candidato”. Pode parecer muita ousadia a candidatura de alguém com pouco mais de zero de aprovação popular e rodeado pela imagem de malas de dinheiro nas mãos ou no apartamento de alguns de seus mais próximos amigos. Mas por que não se as pesquisas apontam para um primeiro lugar vago, um segundo com proposta de voltar trinta anos no relógio da história e um terceiro disputado por um aglomerado de liliputianos ciscando em torno de migalhas?

O general Braga pouco falou na cerimônia em que foi anunciada a intervenção. Astro da festa foi o ministro da Defesa, Raul Jungmann, secundado pelo ministro da Segurança Institucional da Presidência, general Etchegoyen. O general Braga era antes uma vítima da situação. Acabara de lhe cair nas mãos uma operação para a qual as únicas preparações foram uma reunião do presidente com os ministros de sua cozinha e outra com os marqueteiros. O silêncio lhe mascarava a perplexidade. Nos dias seguintes o silêncio perdurou, e com isso abriu-­se um fio de esperança. O general Braga faz seu serviço calado. É o oposto do loquaz ministro Jungmann. Raiou a esperança de a intervenção marqueteira quem sabe transubstanciar-se em resultados substantivos.

A intervenção põe muita pedra no caminho de um oficial levado a um rumo com o qual não sonhou

Tanques e uniformes verde-oliva nas ruas não são novidade para os cariocas. Sem falar do recurso ao Exército na Olimpíada e em outros grandes eventos, está em curso desde julho uma operação que, segundo o ministro Jungmann, teria vindo para “golpear o crime”. (Decorridos sete meses, ainda não golpeou.) O que se espera de uma intervenção no governo estadual vai muito além. Ela não se completará sem: (1) uma devassa nas polícias do Rio, alguns de cujos comandos, segundo o ministro da Justiça, Torquato Jardim, são cúmplices do crime organizado; (2) igual devassa na administração dos presídios, onde os chefes do tráfico gozam de respaldo e conforto para expedir ordens; e (3) com a ajuda das unidades de fronteira do Exército e da Polícia Federal, conseguir controlar o abundante afluxo de armas e drogas ao estado.

Contra o bom êxito da intervenção tem-se a evidência de que transferir o problema para a esfera federal não é panaceia. Exército e Polícia Federal são os responsáveis pela vigilância das fronteiras, e elas seguem porosas como sempre. Na questão dos presídios, duvida-se de algum progresso quando se lembra que até hoje não se conseguiu nem mesmo barrar a entrada de celulares. Temos ainda a escassez de recursos, que não é só do Rio, mas também do governo federal, para sustentar a intervenção. Quem vai pagar o quê, e como, era uma questão em aberto desde o anúncio da medida. Leve-se em conta, por fim, que o estado segue entregue ao sistema Sérgio Cabral, o príncipe da ladroagem, ora representado pelo triste Pezão. Para ser exitosa, faltará ainda à missão do general Braga imunizar-se contra os efeitos perniciosos irradiados da vasta parte da administração fora de seu controle. É muita pedra no caminho do nosso general calado, desviado numa esquina da vida para um rumo com o qual não sonhou. Dura será sua vida.
•••
Com a legenda “Militares inspecionam mochilas de alunos em operação em favela na Zona Norte do Rio”, a foto na primeira página da Folha de S.Paulo da quarta-feira 21, publicada na página 54 desta edição de VEJA, exibia em primeiro plano o cano do fuzil pendente do ombro de um soldado, visto de costas, e, ao lado, de frente para a câmera, uma bonita garotinha, negra, gordinha, de uniforme azul e branco, expressão séria e grandes olhos entre indagadores e amedrontados voltados para o soldado. Imagine-se cena similar com uma menina branca, os mesmos olhos indagadores e amedrontados, o mesmo soldado, o mesmo fuzil, numa escola do Leblon. A menção a “mandado coletivo de busca e apreensão” teria chance de causar comoção. Imaginem-se o leitor e a leitora por um momento na pele dos pais da garotinha da foto. Pensemos na garotinha, que teria 5 ou 6 anos. Pensemos nas mochilas sendo reviradas.

Publicado em VEJA de 28 de fevereiro de 2018, edição nº 2571

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