De volta aos velhos métodos
Os terroristas que mataram quinze pessoas na Catalunha quase não usaram a internet para se organizar, o que lhes permitiu driblar a vigilância policial
No centro da célula terrorista que há uma semana desfechou os atentados na Catalunha, na Espanha, estava o imã radical marroquino Abdelbaki Es Satty. Seu grupo, com uma dúzia de homens, tinha conexões em outros países e planejava explodir a Sagrada Família, a igreja minuciosamente projetada por Antoni Gaudí e ponto turístico de Barcelona. Apesar de sua boa reputação em evitar atentados — o último de larga escala acontecera em 2004 —, as autoridades agora procuram identificar as falhas na vigilância, numa tentativa de deter novos ataques.
No país, as mesquitas funcionam como empresas privadas, de maneira descentralizada. São elas que contratam os seus imãs. Satty era um clérigo autodeclarado. Em 2010, foi preso na cidade espanhola de Ceuta, no norte da África, com 12 quilos de haxixe. Dois anos depois, ao ganhar liberdade, deveria ter sido deportado, mas seus advogados conseguiram evitar a expulsão. No início de 2016, ele foi para Vilvoorde, na Bélgica, e tentou uma vaga na mesquita de Diegem. O imã local suspeitou de suas intenções e foi até as autoridades para saber mais sobre seu passado. Nenhum vínculo com organizações terroristas foi encontrado. Mesmo assim, Satty não ganhou a vaga. De volta à Espanha, arrumou espaço em uma pequena mesquita na cidade de Ripoll.
Em pouco mais de um ano, Satty radicalizou vários jovens de origem marroquina. Ao contrário do que ocorreu em outros casos de terrorismo pelo mundo, ele não usou a internet no recrutamento, o que dificultou a vigilância da polícia. Para não levantarem suspeitas na vizinhança, os membros do grupo evitavam fazer demonstrações públicas de seu fervor religioso. No início de agosto, o bando comprou 500 litros de acetona, substância usada na fabricação de um explosivo conhecido como mãe de satã, e armazenou-os na cidade de Alcanar. A compra deveria ter despertado a atenção das autoridades, mas por algum motivo isso não aconteceu. A bomba explodiu acidentalmente ao ser manipulada por Satty mais um terrorista, matando-os. Com o plano destruído, os demais terroristas partiram para atentados improvisados. Compraram facas e alugaram furgões. Um deles, dirigido por Younes Abouyaaqoub, atropelou e matou catorze pessoas nas Ramblas de Barcelona. Os terroristas aprenderam que o mundo virtual está sendo monitorado e, portanto, não é mais seguro para os seus desígnios. As unidades europeias de contraterrorismo terão de voltar aos velhos métodos de investigação.
Publicado em VEJA de 30 de agosto de 2017, edição nº 2545