Datas: Little Richard, Sérgio Sant’Anna e Abraham Palatnik
A lenda da música, o exímio contista e o maior expoente nacional da arte cinética
Enquanto trabalhava como lavador de pratos em uma lanchonete de Macon, bucólica cidade americana onde nasceu, o jovem Richard Wayne Penniman sofria ofensas raciais de seu patrão. Era o início dos anos 50, e a segregação reinava no Sul dos Estados Unidos, mas o rapaz contra-atacava os insultos com um refrão incompreensível: “A-wop-bop-a-loo-lop-a-lop-bam-boom!”. Assim se originou o grito de guerra que faria de Little Richard uma lenda da música. Filho de um diácono evangélico fabricante clandestino de bebidas, ele cresceu ouvindo o canto gospel nas igrejas frequentadas por negros. Anos depois, misturou a música de louvor com o R&B para inventar, ao lado de Chuck Berry, o rock ‘n’ roll.
Com músicas como Tutti Frutti (a do famoso refrão), Long Tall Sally e Good Golly, Miss Molly, ele inspirou Elvis Presley, Jimi Hendrix, os Beatles e os Rolling Stones. Seu estilo extravagante foi incorporado por Prince, Elton John e David Bowie. O mais importante de tudo, Little Richard inscreveu a subversão no DNA do rock: endiabrado e ultrajante, ele chocava as famílias dos anos 50. Aos 13 anos, descobriu-se homossexual e foi duramente reprimido pelo pai — que dizia que homossexualidade era coisa do diabo. Em 1957, tocado pela visão de uma bola de fogo no céu (na verdade, um satélite russo), abandonou o rock para virar pastor. Desde então, o conflito entre assumir-se gay e roqueiro e abraçar a fé permearia sua vida. Aposentado desde 2013, ele morreu no sábado 9, aos 87 anos, de um tumor ósseo, no Tennessee.
Mestre da síntese
Sérgio Sant’Anna era afeito à experimentação. Misturava gêneros narrativos e narradores, e vagava por formatos, da poesia à novela. Fixou-se como um exímio contista. Advogado de formação, estreou na literatura com os contos de O Sobrevivente (1969). Refletia nos textos seus gostos e desgostos em relação à cultura e à política nacional – faceta que salta aos olhos no ótimo livro O Concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro (1983). Tinha particular apreço pelo futebol, pano de fundo de muitas tramas, como a novela Páginas Sem Glória (2012). Sérgio Sant’Anna morreu no domingo 10, aos 78 anos, no Rio de Janeiro, vítima da Covid-19.
A arte da vertigem
O ateliê de Abraham Palatnik era uma oficina de arte, mas parecia a casa do Professor Pardal. Filho de judeus russos nascido em Natal, Palatnik mudou-se aos 4 anos para Tel-Aviv, antes da criação de Israel. Ao voltar ao Brasil, aderiu ao neoconcretismo, mas logo criaria uma trilha própria: a arte cinética. Muitos de seus quadros continham motores que faziam lâmpadas girar atrás da tela, produzindo o efeito de movimento e vertigem. Morreu no sábado 9, aos 92 anos, no Rio de Janeiro, de Covid-19.
Publicado em VEJA de 20 de maio de 2020, edição nº 2687