Datas: Christo Vladimirov Javacheff e Maria Alice Vergueiro
O artista plástico e a musa do teatro alternativo

Em 1976, vinte anos depois de fugir do regime comunista da Bulgária natal, o artista plástico Christo Vladimirov Javacheff fez sua primeira viagem à Alemanha, então dividida pelo muro. A passagem por Berlim lhe acendeu um desejo. Ele vislumbrou na magnitude do Palácio do Reichstag, sede histórica do Parlamento, uma tela em branco. Ao lado da mulher e parceira de trabalho, a francesa Jeanne-Claude, inventou de “embrulhar” o prédio. Na época, o Reichstag ainda exibia as feridas do incêndio de 1933 , marco da tomada do poder pelos nazistas. Christo levou duas décadas até obter autorização e levantar recursos próprios (ele não aceitava incentivos públicos) para concluir o projeto Wrapped Reichstag. Por fim, ao longo de duas semanas, em 1995, o edifício apareceu coberto por um imenso lençol alvo. A ideia: esconder o passado antes de revelar a Alemanha moderna.

A singular e criativa obra foi o ápice de seu trabalho, famoso por empacotar monumentos, como o Arco do Triunfo e a Pont Neuf, em Paris. Alterava as paisagens sempre com materiais recicláveis (pano, plástico ou latão), um alerta para o exagerado consumismo e para a relevância dos cuidados com o ambiente. Recluso e sempre modesto, o artista tratava com ironia as interpretações de suas invenções. “Fazemos coisas bonitas, inacreditavelmente inúteis e desnecessárias”, dizia. Ele talvez tivesse razão, mas deixou uma marca indelével. Morreu no domingo 31, aos 84 anos, em Nova York, de causas naturais.
A dama atrevida do teatro

Em palcos quase clandestinos da USP, nos anos 1970, em plena ditadura, a então professora de arte Maria Alice Vergueiro deu vida às contravenções de Maria I de Portugal em Cabaret da Rainha Louca. As cenas de sodomia encenadas com Cacá Rosset chocaram a comunidade acadêmica. Ela acabou afastada da docência e passou a dedicar-se inteiramente ao teatro, sua paixão. Livre de amarras morais, a atriz empreendeu uma carreira tão brilhante quanto provocadora, que lhe rendeu a alcunha de “dama do underground”, ou do “udigrudi”, como se dizia. Em 1977, fundou, ao lado de Luiz Roberto Galízia e de Rosset, o Teatro do Ornitorrinco, popular pelo tom escrachado. Viralizou na internet em 2006, no vídeo Tapa na Pantera, no qual interpretou uma senhora que usava maconha e dizia frases como: “O que faz mal é o papelzinho”. Maria Alice entrou em cena pela última vez em 2017, na peça Why the Horse?, em que encenava o próprio velório. Morreu na quarta-feira 3, aos 85 anos, de complicações de Parkinson, em São Paulo.
Publicado em VEJA de 10 de junho de 2020, edição nº 2690