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Ciro versus Ciro

A idade não serenou o pedetista, cujos rompantes dificultam a formação de alianças e alimentam a indisposição do mercado à sua campanha

Por Roberta Paduan
Atualizado em 4 jun 2024, 16h47 - Publicado em 22 jun 2018, 06h00

Aberta a temporada de alianças partidárias, cada sigla busca seu par — e torce para não sobrar sozinha no altar. Para o PDT de Ciro Gomes, uma noiva vistosa seria o DEM, partido de centro, com uma bancada de 43 deputados no Congresso e potencial para abrir as portas à entrada de legendas do centrão, como PP e Solidariedade, com seus consequentes e preciosos minutos de TV. Diante disso — e na véspera de um jantar com caciques do DEM para falar precisamente da possibilidade de aliança —, o que fez Ciro? Insultou uma das lideranças do partido cobiçado, o vereador Fernando Holiday (é um “capitãozinho do mato”, segundo afirmou em entrevista à Rádio Jovem Pan, sugerindo que o político, mesmo sendo negro, não defende os interesses da população negra). Sem entrar no mérito da crítica a Holiday, é certo que xingar o irmão da noiva às vésperas de pedi-­la em casamento — e ainda abandonar intempestivamente um congresso de prefeitos porque não pôde falar durante o tempo que queria, como fez em Belo Horizonte na terça-­feira 19 — apenas reaviva as suspeitas de que Ciro segue sendo Ciro.

O destempero pode não levar ao naufrágio sua terceira candidatura presidencial, mas não ajuda a melhorar sua imagem junto a uns dos setores mais resistentes à sua candidatura, a elite empresarial. O chamado “mercado” se abespinha a cada declaração de Ciro sobre economia. Também na terça-­feira, Ciro afirmou que, se eleito, proporá que a reforma da Previdência seja feita por plebiscito — o que seria o fim da reforma, dada sua impopularidade. O pr­é-candidato, por sua vez, não perde uma oportunidade de, publicamente, desdenhar dos que o rejeitam (“rentistas e especuladores que não fabricam nem um pão nem geram emprego”). Prova de que a antipatia é mútua é a análise feita pelo Eurasia Group. Na classificação dos pré-­candidatos segundo o nível de risco que representam para a economia, a consultoria posicionou Ciro em último lugar, abaixo até mesmo do deputado Jair Bolsonaro, que vem fazendo um esforço danado para disfarçar suas convicções estatistas. “Ciro e o PT são os que têm o discurso mais hostil ao mercado”, diz Silvio Cascione, analista do Eurasia.

O pedetista tem afirmado que, caso ganhe, vai revogar contratos já assinados por empresas que arremataram blocos no pré-sal, desfazer a reforma trabalhista, acabar com o teto de gastos da União, romper os contratos de privatização da Eletrobras que venham a ser firmados e chegou a dizer que a gasolina estaria hoje abaixo dos 3 reais, se fosse o presidente. “O grande medo é que ele se torne uma Dilma 2”, resume o economista-­chefe de um banco que falou na condição de anonimato.

Com discurso belicoso em público, Ciro tem pedido à sua equipe que mantenha um tom mais ameno nos encontros a portas fechadas com os donos do dinheiro. “Seus assessores têm apresentado propostas que se baseiam no controle de gastos e na responsabilidade fiscal”, afirma o economista-­chefe de outra instituição financeira, que participou de uma apresentação da equipe de Ciro no Goldman Sachs. Mas a investida dos técnicos não tem conseguido aplacar o medo do setor. Disse um dos presentes à apresentação dos assessores do pedetista: “Eles se baseiam em feitos passados para projetar o que seria um governo futuro. Mas não contrariam as afirmações feitas publicamente pelo candidato”.

No que diz respeito ao passado, Ciro tem, sim, credenciais a apresentar ao mercado. Quando governador, não só promoveu ajuste fiscal nas contas do Ceará como recomprou a dívida do estado quinze anos antes do vencimento. Quando o Congresso aprovou, em 1997, socorro fiscal aos governos em apuros, o Ceará estava saudável e tinha apenas 114 milhões de reais em dívidas, um dos menores valores.

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Sua incontinência verbal, porém, continua sendo um problema. A ala do DEM contrária a uma aproximação com o pedetista, por exemplo, rapidamente usou o episódio Holiday como pretexto para propagar críticas públicas ao presidenciável. O vice-líder do DEM na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante, referiu-se a Ciro como “prostituto de partido”, citando as sete legendas pelas quais ele passou — e esquecendo-se de que, se isso definisse nível de prostituição, o Congresso seria um imenso prostíbulo. A atitude de Ciro também alimentou a ala do DEM entusiasta de uma aliança com Geraldo Alckmin, bem na semana em que o tucano pôs em funcionamento os motores de seu novo núcleo político. A função primordial do ex-governador de Goiás Marconi Perillo (PSDB-GO), que comanda o grupo, é levar o DEM para a órbita tucana e, assim, atrair outras legendas do centrão.

Recentemente, a equipe de Ciro teve acesso a uma pesquisa que mostra que 40% dos brasileiros nem sequer sabem quem ele é. E o último levantamento do Datafolha revelou que ele continua nos 10% de intenção de voto, abaixo de Marina Silva (Rede). Tudo somado, Ciro tem potencial para crescer. Mas está se equilibrando no discurso ambíguo para cativar os órfãos do ex-presidente Lula, de um lado, sem assustar os liberais do mercado, do outro. Equilibrar os polos já seria um desafio para um candidato com a cabeça fria. Para Ciro, o destemperado, é uma dificuldade adicional.

Publicado em VEJA de 27 de junho de 2018, edição nº 2588

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