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Chute com graça

O futevôlei, jogo em que a todo momento se mata no peito a bola chutada, atrai cada vez mais mulheres para a quadra de areia. Com certa adaptação, é claro

Por Isabela Izidro Atualizado em 1 set 2017, 06h00 - Publicado em 1 set 2017, 06h00

A marcha inexorável do empoderamento feminino anda revirando conceitos estabelecidos por onde passa, chacoalhando desde o cavalheirismo (“Não preciso disso, não”, dispara a moça ao rapaz que lhe deu a preferência no elevador) até a nomenclatura — haja vista a adoção do termo feminicídio, sinônimo de assassinato de mulheres. No Brasil, o processo de afirmação feminina vai se insinuando até no seguro porto machista do futebol e afins, mais precisamente no futevôlei, aquele esporte nascido no Rio de Janeiro em que matar no peito (ui!) não é figura de linguagem. Inventado e jogado por homens, o esporte nos últimos tempos vem registrando aumento constante no número de alunas nas diversas escolas do Brasil. Em algumas, elas já são maioria. “O futevôlei mistura tudo o que eu ou qualquer brasileiro ama, principalmente o carioca: futebol, praia e saúde”, elogia a promoter Carol Sampaio, de 35 anos, da turma precursora: pratica desde os 12.

O futevôlei é jogado na areia, em duplas mistas ou não, com uma rede no meio e bola mais macia que a do futebol e mais pesada que a do vôlei. Pode-­se usar qualquer parte do corpo, exceto mãos e braços. Com tal restrição, o peito é muito acionado, o que para eles é questão de habilidade mas, para elas, uma impossibilidade. A liberação feminina no futevôlei só veio com o desenvolvimento do toque de ombro. A partir daí, marmanjos de sunga viram crescer a competição das garotas de shortinho e top. A Pro Sport, escola da Barra da Tijuca, registra aumento de 31% no número de matrículas delas neste ano. Na Black, do Leblon, alma mater de Carol Sampaio e do ator Marcelo Serrado, entre outros, elas chegam a ser 70% do total de alunos. “As mulheres estão ocupando um lugar enorme. Tenho turma só de garotas, outras com apenas um rapaz”, diz Eli Pinheiro, o Black.

Meninas aderem ao futevôlei pela novidade, pelas habilidades que desenvolvem e, é claro, em nome da forma física. Uma hora de jogo com o termômetro nas alturas (o que acelera o metabolismo) pode queimar até 700 calorias, quase o dobro do que seria queimado com o vôlei e o futebol. Além da perda calórica que proporciona, o futevôlei é excelente torneador de glúteos e coxas — “tudo o que as mulheres buscam na academia, só que com muito mais diversão”, explica o médico Rodrigo Freitas, especialista em esportes. No entanto, ele faz um alerta: “O piso irregular e a sobrecarga trazida pelo grande gasto energético exigem cuidados, para evitar lesões”. Sem falar nos hematomas. “No começo, a gente fica toda roxa: perna, canela, coxa. Depois melhora, mas é só ficar um tempinho sem jogar que os roxos voltam”, avisa Rose Paola, de 51 anos, dona de uma escolinha no Leme. Serrado, que adora praia e esportes, sente-se desafiado pelas adversárias. “Sempre perco delas”, brinca.

O futevôlei não tem calendário oficial, mas as competições acontecem o ano inteiro. No Brasil, cada estado tem a sua federação, mesmo longe da praia, levando a areia para quadras internas. O último mundial foi na Áustria, em junho, e o próximo será na Espanha, no fim do ano. As duplas brasileiras ganham praticamente todos, mas o esporte é praticado na América do Sul, na Europa e até na Tailândia. Carol Portaluppi, que cresceu vendo o pai, o ex-craque do futebol e hoje técnico Renato Gaúcho, se tornar bicampeão mundial de futevôlei, não perde a chance de dar seus chutes e cabeçadas. Com a experiência de quem já fez dupla com o pai em campeonatos, ela diz que é difícil comparar o desempenho de homens com o de mulheres porque eles chegaram muito antes. “Mas há muitas garotas jogando demais por aí”, afirma.

Nascido em 1965, o futevôlei é herdeiro direto da proibição da “altinha” — outro bate-bola carioca —, que consiste numa roda de amigos fazendo embaixadinhas. Atividades realizadas perto da água, tanto a altinha quanto o frescobol produziam boladas nos banhistas incautos e sua prática foi transferida para perto da calçada. O frescobol ganhou quadra e rede. A “altinha”, em sua evolução, acabou virando futevôlei. O campeão Renato Gaúcho não tem nada contra a diversificação do clube do Bolinha. “Acho ótimo que elas participem. A rede fica mais bonita”, declara, candidamente. Gaúcho, Gaúcho, cuidado com o que fala perto das meninas superpoderosas.

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Área impedida

(Marcos Michael/VEJA)

O calcanhar de aquiles das mulheres no futevôlei fica bem mais em cima: no peito. “Levar uma bolada dói mesmo. Quem tem seios pequenos às vezes se arrisca, mas é extremamente complicado”, atesta Alana Lucati, de 21 anos, que faz aulas em uma escola da Barra da Tijuca, no Rio. Por causa dessa desvantagem, as primeiras meninas em duplas mistas penaram. “Elas só ficavam embaixo da rede. Os rapazes recebiam todos os saques, geralmente no peito, e dominavam a quadra”, conta Renato Adnet, presidente da pioneira federação carioca. A desigualdade só foi vencida quando elas aprenderam a usar os ombros para receber bolas altas. “É muito mais difícil, mas não tivemos escapatória”, diz a campeã Patrícia Lessa. Empoderamento também é saber matar no ombro.

Publicado em VEJA de 6 de setembro de 2017, edição nº 2546

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