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Presidente da Dersa na gestão de Geraldo Alckmin é o primeiro nome próximo do presidenciável a ser investigado pela força-tarefa da Operação Lava-Jato

Por Ana Clara Costa Atualizado em 4 jun 2024, 16h58 - Publicado em 8 jun 2018, 06h00

Primeiro foi Paulo Preto, o ex-diretor da Dersa preso duas vezes por suspeitas de ter cometido irregularidades na construção do Rodoanel. Agora, da mesma estatal de rodovias surge outra encrenca com potencial para causar estragos — desta vez, para um tucano em especial. Ex-presidente da Dersa, ex-secretário de Logística e Transportes do estado no governo de Geraldo Alckmin e um dos mais antigos assessores do agora presidenciável, Laurence Casagrande Lourenço não só passou à categoria de investigado pela Lava-Jato como teve seus sigilos fiscal e bancário dos últimos cinco anos quebrados pela Justiça. Trata-se da primeira vez que um integrante do restrito círculo de confiança de Alckmin é tragado ao centro das investigações da força-tarefa, em São Paulo.

VEJA teve acesso a documento sigiloso que revela que Lourenço é investigado por fraude na celebração de aditivos, execução fraudulenta de contratos e subcontratação irregular de empresas pela Dersa. O Tribunal de Contas da União (TCU) calculou que apenas em um aditivo firmado pela estatal com a empreiteira OAS, na execução da terraplenagem do lote 2 do trecho norte do Rodoanel, houve sobrepreço de 55 milhões de reais. Obras previstas no aditivo foram consideradas desnecessárias por auditores da Corte de Contas e por três testemunhas que trabalharam na empreitada e foram ouvidas pelos investigadores. Uma delas, o engenheiro Emilio Squarcina, que gerenciava o trecho norte do Rodoanel, afirmou em depoimento aos procuradores que pôs seu cargo à disposição em 2015, depois de ter se negado a assinar o termo aditivo com a OAS. O Ministério Público Federal também suspeita que não apenas o aditivo mas o próprio contrato de licitação de terraplenagem com a empreiteira tenha sido irregular. A empresa teria vencido o certame depois de apresentar o preço mais baixo por metro cúbico de obra: 16 reais. No orçamento previsto pela Dersa, era de 27 reais. Contudo, depois de celebrados os aditivos, o preço da OAS teria subido para 46 reais, quase o dobro do orçamento projetado pela estatal. A Dersa nega irregularidade.

As investigações iniciaram-se em 2015, quando um subcontratado da Dersa, João Bosco Gomides, depois de uma discussão com Lourenço, teve seu contrato rompido e foi impedido de prestar serviços novamente para a estatal. Contrariado, ele decidiu contar o que sabia ao Ministério Público. Além de ter quebrado os sigilos de Lourenço, a Justiça passa um pente-fino nas contas de sua empresa, a Casagrande Assessoria e Consultoria. Os investigadores também apuram se houve repasses indevidos a políticos do PSDB durante o tempo em que o executivo dirigiu a Dersa — de 2011 a 2017.

Lourenço não é um aliado qualquer. Antes de juntar-se ao núcleo duro de Alckmin, foi por quase quatro anos diretor da Kroll, a mesma multinacional de inteligência acusada de ter grampeado executivos da Telecom Italia a mando do ex-banqueiro Daniel Dantas, do Banco Opportunity. Dantas e a Kroll caíram na CPI dos Grampos, em 2008, quando a Polícia Federal revelou que a companhia mantinha uma tabela de preços de interceptações ilegais. Mas o caso não rendeu processo na Justiça, e a Kroll nunca reconheceu a autoria dos grampos. Lourenço, que já havia integrado a equipe de Alckmin como assessor especial na Secretaria de Segurança Pública antes de dirigir a Kroll, foi reconduzido ao governo em 2011, pelas mãos de Saulo de Castro Abreu, então secretário de Logística e Transportes do ex-governador e seu braço-direito no Palácio dos Bandeirantes. Ex-promotor de Justiça que ascendeu ao governo do estado em 2001, Abreu pretendia, ao escalar Lourenço, empreender uma investigação interna na estatal. À época, a imagem da Dersa havia sido afetada pela suspeita (hoje chancelada por delatores da Lava-Jato) de que Paulo Preto teria superfaturado contratos da companhia com empreiteiras no intuito de engordar o caixa dois de políticos do PSDB. A auditoria e a troca de comando na estatal tucana faziam parte da estratégia de delimitar fronteiras entre os malfeitos ocorridos na gestão de José Serra e o novo governo iniciado por Geraldo Alckmin. Na ocasião, Abreu justificou ao jornal Folha de S.Paulo a razão de não contratar um engenheiro civil para presidir a Dersa. “A Kroll deu ao Laurence experiência na iniciativa privada e em (detectar) superfaturamento de contratos”, disse. Lourenço é tecnólogo em produção industrial.

De perfil rígido, segundo funcionários da Dersa ouvidos pela reportagem, Lourenço nunca foi muito afeito a considerar opiniões divergentes. Quando decidiu, nos idos de 2012, que o novo trecho da Rodovia dos Tamoios, que liga São Sebastião a Caraguatatuba, no litoral norte de São Paulo, teria uma alça em São Sebastião não prevista no projeto inicial, foi advertido de que a mudança era desnecessária e pioraria o tráfego na altura do município. O alerta foi em vão, e a alça foi construída. Em 2015, o governador Geraldo Alckmin não viu problema em enviar um projeto de lei para que a Assembleia Legislativa autorizasse um empréstimo de 750 milhões de reais para a conclusão da obra, que já estava 860 milhões de reais mais cara que o previsto. Desse montante adicional, 542 milhões de reais resultavam de ajustes no projeto e novos elementos de engenharia.

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As obras do trecho norte do Ro­doanel acumulam três anos de atraso e um custo de 3 bilhões de reais acima do previsto no projeto inicial. Geraldo Alckmin planejava entregá-lo ainda em 2018, antes de deixar o Palácio dos Bandeirantes, mas desistiu diante da perspectiva de que ele deverá ficar pronto só em 2019. Embora as empreiteiras OAS e Mendes Júnior, todas freguesas da Lava-Jato, tenham sido contratadas pela Dersa para executar a obra, e ainda estejam recebendo pelo serviço que prestam, nenhum de seus delatores relatou, até o momento, ter feito pagamentos indevidos sobre contratos dessa obra. Em compensação, o trecho sul do Rodoanel, entregue em março de 2010, foi citado por delatores das empreiteiras OAS, Andrade Gutierrez e Odebrecht como dreno de dinheiro ilícito — a maior parte, suspeita-se, teria sido escoada pelas mãos de Paulo Preto, que foi demitido da estatal paulista apenas uma semana depois de entregar a obra. O trecho sul foi concluído dois anos após o prazo e custou 3,7 bilhões menos em comparação com o trecho norte.

Nenhum delator afirmou até agora que o dinheiro que teria sido desviado por Paulo Preto do Rodoanel irrigaria a campanha de Alckmin, mas tucanos temem que, caso faça uma delação premiada, o engenheiro possa complicar a situação do ex-governador. Até o momento, três executivos da Odebrecht disseram que o tucano recebeu pelo menos 10,3 milhões de reais em caixa dois vindos da empreiteira — acusação que ele nega.

Tamanha era a confiança de Geraldo Alckmin em Lourenço que o executivo acumulou, a partir de maio de 2017, as funções de presidente da Dersa e secretário dos Transportes do estado, pasta à qual a estatal se reporta. Permaneceu nela mesmo depois de Alckmin deixar o cargo para se dedicar à pré-campanha presidencial. Há pouco mais de um mês, viu-se forçado a mudar novamente de função quando o atual governador, Márcio França (PSB-SP), ofereceu seu posto ao PR de Valdemar Costa Neto em troca de apoio à sua chapa ao governo do estado (leia o quadro abaixo). Foi então conduzido ao cargo de presidente da Companhia Energética de São Paulo (Cesp). Não ficou ferido na estrada.

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Ao PR, com amor

Acerto leva tucanos a “entregar” a Dersa à sigla do mensaleiro Valdemar

A saída de Laurence Casagrande Lourenço da Dersa e da Secretaria de Logística e Transportes do Estado de São Paulo foi um acerto político para dar ao PR espaço para povoar a pasta que comanda a estatal rodoviária. É a primeira vez que a Dersa deixa o guarda-chuva tucano — e cerca de vinte cargos da empresa já foram postos à disposição do novo comando. As articulações foram conduzidas diretamente entre o governador Márcio França (PSB-SP) e a eminência parda do partido, o mensaleiro Valdemar Costa Neto, que designou um nome de sua confiança para assumir a secretaria. Trata-se do engenheiro Mário Mondolfo, que presidia até abril a Valec, estatal de construção de ferrovias, também por indicação de Costa Neto. O objetivo de França é atrair a sigla para sua chapa na disputa pelo governo estadual.

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O setor de transportes é território cativo do PR. Os últimos sete ministros da área nos governos Lula, Dilma e Temer chegaram ao posto apadrinhados por Costa Neto. Um deles, Antonio Carlos Rodrigues, era presidente do partido quando foi preso na Operação Lava-J­ato, em 2017, depois de delatores da JBS afirmarem ter pago 20 milhões de reais, a pedido do PT, para que o PR apoiasse a reeleição de Dilma Rousseff. O próprio Costa Neto é investigado também por cobrar propina da Odebrecht em troca de vantagens na execução da Ferrovia Norte-Sul.

Se a era de Paulo Preto e seus sucessores na Dersa já rende trabalho hercúleo ao Ministério Público Federal (MPF), a história sugere que, com a nova dinastia, não será diferente.

Publicado em VEJA de 13 de junho de 2018, edição nº 2586

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