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Chá contra a depressão

Pesquisa conduzida no Brasil mostra que a ayahuasca, o chá alucinógeno usado em rituais religiosos, tem efeito benéfico sobre o tipo mais grave da doença

Por Giulia Vidale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h37 - Publicado em 6 jul 2018, 06h00
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(Arte/VEJA)

O chá ayahuasca, utilizado em rituais religiosos como os do santo-­daime, mostrou-se eficaz no combate ao tipo de depressão mais severa, aquela que responde mal aos medicamentos disponíveis e acomete 100 milhões de pessoas no mundo, 4 milhões delas no Brasil. Conduzido pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e recém-publicado no periódico britânico Psychological Medicine, o trabalho é o primeiro a avaliar de forma controlada os benefícios de uma substância psicodélica (ou seja, que provoca alterações na percepção e consciência) no tratamento da doença. O estudo envolveu 29 pacientes, com idade entre 21 e 59 anos, que conviviam com a doença havia onze anos, em média. Parte deles ingeriu uma bebida inócua e a outra parte recebeu uma única dose do chá, em quantidades que variaram de um quarto a meia xícara, dependendo do peso corporal de cada um deles.

A administração da ayahuasca exigiu cuidados especiais. Para que seus efeitos colaterais agudos fossem minimizados — além das alucinações, ela pode provocar tonturas e enjoos —, os pacientes receberam a bebida no hospital. Os quartos foram preparados para proporcionar-lhes um ambiente de tranquilidade — decorados com plantas e iluminados por luz natural. Depois de ingerirem o chá, os participantes, sempre acompanhados de dois pesquisadores do estudo, foram orientados a permanecer em silêncio, pensando no próprio corpo e com os olhos fechados. A maioria recebeu alta no fim do dia. O efeito foi gradual. Todos os pacientes se submeteram a um questionário sobre a depressão, além de exames de sangue e de imagem, antes e depois do experimento. Um dia depois, aqueles que haviam ingerido o chá tiveram redução de 50% na intensidade dos sintomas da depressão. Uma semana depois, essa diminuição foi ainda mais pronunciada — de 64%, o dobro do verificado entre os participantes que tomaram o placebo.

O resultado significa que, de portadores de depressão grave, os pacientes passaram a ser portadores do tipo leve da doença. Os achados ainda não permitem dizer se os efeitos notados — redução de pensamentos suicidas, melhora na qualidade do sono e diminuição do sentimento de tristeza — são permanentes. Para averiguar esse aspecto decisivo, novos estudos serão necessários. As primeiras suspeitas de que a ayahuasca teria alguma ação contra a doença mental surgiram nas últimas duas décadas, quando avaliações psiquiátricas observaram que os consumidores da bebida em rituais apresentavam índices baixos de desânimo crônico.

As origens do uso da ayahuasca remontam à pré-história. Há evidências arqueológicas pictóricas que indicam a utilização da planta alucinógena desde 2000 a.C. No século XVI, padres colonizadores já descreviam o emprego da bebida entre indígenas. O chá popularizou-se por meio do movimento religioso santo-daime, na década de 20. O Brasil é um dos poucos países que liberam a ayahuasca, mas com restrições — apenas para rituais de doutrinas específicas. Tal uso, porém, só foi autorizado por lei em 1987.

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Amargo e de coloração marrom-escura, o chá é feito da mistura de compostos de duas plantas encontradas apenas na Floresta Amazônica: as folhas do arbusto Psychotria viridis e do cipó Banisteriopsis caapi. A primeira contém uma substância que causa alucinações cujo nome é difícil pronunciar: dimetiltriptamina, conhecida pela sigla DMT. Ela age contra a depressão ao se ligar aos neurônios, aumentando a disponibilidade de serotonina, hormônio deficitário na maioria dos portadores da doença (veja o quadro). Já o cipó contém substâncias que facilitam a ação da primeira, mantendo a serotonina por mais tempo em circulação no organismo. “Além disso, a ayahuasca estimula a irrigação de sangue em áreas do cérebro envolvidas no processamento das emoções e modulação dos estados de humor”, explica o neurocientista Dráulio Araújo, professor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

A pesquisa brasileira com a aya­huas­ca marca uma volta aos estudos dos efeitos das drogas psicodélicas nas doenças mentais, populares nos anos 60. Um dos mais conhecidos foi o de autoria do psicólogo Timothy Leary, da Universidade Harvard. Leary, que analisou os efeitos terapêuticos do LSD, foi acusado de falta de rigor científico e acabou demitido da universidade — terminou a vida como guru. Nos últimos anos, porém, os conhecimentos aprofundados sobre o funcionamento do cérebro mostraram que é possível conduzir esse tipo de trabalho com maior rigor e segurança. Levantamentos com a psilocibina, por exemplo, um alucinógeno encontrado nos cogumelos, têm se mostrado efetivos no alívio da ansiedade em pacientes com câncer terminal.

O estudo mais avançado, no entanto, é com o MDMA, o princípio do ecstasy, no tratamento do transtorno pós-traumático. Prestes a passar para a fase 3, ou seja, a última etapa, uma pesquisa publicada neste ano na revista britânica The Lancet Psychiatry revelou que a droga reduziu os sintomas da doença em 68% dos 26 participantes (socorristas e veteranos de combate). O MDMA aumenta no cérebro a disponibilidade de hormônios associados a sentimentos de confiança e bem-­estar — além da serotonina, também o cortisol. No tratamento do transtorno pós-traumático, esses hormônios permitem que os pacientes passem a lidar melhor com as lembranças ruins. Se os testes em larga escala conseguirem repetir os resultados obtidos até agora, o medicamento poderá ser aprovado para uso legal até 2022.

Publicado em VEJA de 11 de julho de 2018, edição nº 2590

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