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Cegos pela xenofobia

Conter os ataques contra os venezuelanos deve ser prioridade

Por Maria Laura Canineu
Atualizado em 7 set 2018, 07h00 - Publicado em 7 set 2018, 07h00

Há quase dois anos, estive em Chios, pequena ilha na Grécia, onde acompanhei uma pesquisa com refugiados recém-chegados à Europa. Ao conversar com famílias vindas da Síria, do Iraque, do Congo, do Afeganistão e de outros países que passam por grandes perturbações, não eram poucas as vezes em que eu ficava com os olhos marejados. Essas pessoas contavam como é a vida em nações devastadas pela guerra ou sob um regime abusivo e autoritário. Falavam das dificuldades quase inimagináveis que haviam enfrentado para fugir. Com frequência, eram movidas pela esperança de poder oferecer um novo futuro a seus filhos. Junto da tristeza, eu sentia grande inconformismo enquanto as escutava. Por vezes, tinha raiva não só de quem as perseguia, mas também daqueles que não conseguiam reconhecer a humanidade de cada uma delas.

A maior parte dos refugiados com quem falei expressava um medo constante de ataques xenófobos. Em Atenas, a capital grega, visitei famílias de refugiados em uma ocupação na cidade. Eles relatavam o temor de sair às ruas. Agressões motivadas por xenofobia e discriminação racial estavam em alta àquela época. Os refugiados sentiam-se isolados. Desejavam somente uma oportunidade para se integrar às sociedades europeias. Percebiam claramente a hostilidade que alguns de seus novos vizinhos gregos tinham em relação a eles, aí incluída a tendência de culpá-los genericamente por problemas como o crime e o desemprego.

Não pude deixar de pensar nos relatos que ouvi na Grécia quando soube do ataque de 18 de agosto contra os venezuelanos na cidade fronteiriça de Pacaraima, em Roraima. Moradores do município investiram contra venezuelanos que estavam morando nas ruas, queimaram seus poucos pertences e forçaram o retorno de cerca de 1 200 deles à Venezuela. A polícia apenas observou as agressões, sem fazer nada para impedi-las.

Na capital de Roraima, Boa Vista, venezuelanos que vivem em abrigos ou nas ruas disseram que algumas pessoas os insultavam da janela do carro quando passavam por perto.

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Embora o governo federal tenha feito esforços significativos para responder ao intenso fluxo de pessoas desesperadas por alimentos, por cuidados básicos de saúde e por liberdade, é preciso fazer muito mais para integrar os refugiados venezuelanos à sociedade, oferecendo-­lhes também acesso à educação. É necessário ainda que o governo acelere o programa de transferência voluntária para outros estados. Mas, antes de tudo, é indispensável que as autoridades brasileiras tomem medidas imediatas contra ataques xenófobos. Ao Ministério Público cabe denunciar todos aqueles que agem de forma violenta contra os venezuelanos e instar as corregedorias da polícia a responsabilizar os policiais que não cumprirem com seu dever.

Em tempo, é importante lembrar que não há apenas ódio em Roraima. Muitos moradores compartilham sua comida com venezuelanos. Outros abriram a própria casa para recebê-los. Esta é a nossa chance, como país, de demonstrar compaixão com os nossos vizinhos que chegam em busca de proteção.

Publicado em VEJA de 12 de setembro de 2018, edição nº 2599

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