Carta ao Leitor: Recado aos radicais
Nesta edição VEJA relata casos de violência aparentemente motivada por razões políticas que ocorreram nos últimos dias
Quando o PT estava às portas de sua primeira vitória em eleições presidenciais, em 2002, VEJA publicou uma reportagem de capa que exortava o futuro presidente Lula a conter os radicais de seu partido. Naquela altura, Lula já havia divulgado a famosa Carta ao Povo Brasileiro, em que rendia homenagens à economia de mercado e à livre-iniciativa para acalmar empresários e investidores, mas seu partido continuava — como continuaria até os dias de hoje — a abrigar correntes com ideias inflamadas. Para o bem do Brasil, era preciso conter essas alas extremistas.
Agora, no momento em que o deputado Jair Bolsonaro está mais próximo de tornar-se presidente da República, é chegada a hora, novamente, de mandar um recado aos radicais. Desta vez, não se trata de militantes que orbitam em torno do candidato, membros de seu partido ou de sua campanha eleitoral. Trata-se de enviar um recado aos brasileiros — poucos, espera-se — que parecem sentir-se autorizados pelo discurso belicoso do candidato a resolver suas diferenças ideológicas na base da violência.
Em reportagem nesta edição, VEJA relata casos de violência aparentemente motivada por razões políticas que ocorreram nos últimos dias. O mais ruidoso aconteceu na Bahia, onde um mestre de capoeira de 63 anos, defensor do petista Fernando Haddad, foi assassinado com doze facadas por um defensor de Bolsonaro, de 36 anos, que vestia uma camisa alusiva a seu candidato.
Instado a falar sobre o caso, Bolsonaro disse que o assassino “comete lá um excesso” e perguntou “o que eu tenho a ver com isso?”. Em seguida, meio a contragosto, emendou com “eu lamento, peço ao pessoal que não pratique isso” e logo voltou a eximir-se de qualquer responsabilidade. Disse que não tinha “controle sobre milhões e milhões de pessoas que me apoiam” e completou afirmando que “a violência veio do outro lado, a intolerância veio do outro lado. Eu sou a prova, graças a Deus, viva disso aí”.
Além do equívoco ao classificar um homicídio como “um excesso”, Bolsonaro perdeu uma oportunidade importante de, em vez de apenas lamentar o ocorrido, tentar, ao menos tentar, serenar os ânimos. É evidente que o candidato não tem “controle” sobre seus milhões de apoiadores, nem pode ser responsabilizado pelo que fazem ou deixam de fazer, mas é nessas horas que um líder responsável deve usar sua ascendência, seu prestígio e sua popularidade para pedir paz e concórdia.
Quando Bolsonaro foi alvo do atentado abjeto em Juiz de Fora, logo correu o boato de que o agressor agia a mando de algum partido político (a mesma reportagem de VEJA revela detalhes inéditos da investigação). Mas os demais candidatos não ficaram paralisados diante dessa suspeita infundada nem reagiram ao ataque perguntando “o que eu tenho a ver com isso?”. Ao contrário: todos se pronunciaram sobre o acontecido, repudiando a agressão em termos inequívocos, e alguns até suspenderam temporariamente a campanha em respeito ao concorrente ferido. Mandaram, assim, à sociedade um aviso claro de que esse tipo de agressão é intolerável.
Publicado em VEJA de 17 de outubro de 2018, edição nº 2604