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Carta ao Leitor: De olho no futuro

Temos recursos para tranquilizar os meninos e meninas que, dentro de casa, parecem não enxergar com clareza o que virá depois do fim do túnel

Por Da Redação Atualizado em 4 jun 2024, 14h31 - Publicado em 22 Maio 2020, 06h00

“O menino é o pai do homem”, escreveu o poeta romântico inglês William Wordsworth (1770-1850), frase depois ecoada por Machado de Assis (1839-1908) em Memórias Póstumas de Brás Cubas. Parece não haver dúvida — se queremos imaginar como se dará a vida adulta, um bom caminho é observar os tempos de meninice. Dito de outro modo: passear pelos humores e temores da infância costuma servir de termômetro para a maturidade. Ao longo de seus mais de 50 anos de existência, VEJA esteve sempre atenta ao cotidiano dos pequenos como reflexo da sociedade. Em momentos de grandes viradas de comportamento, avanços da ciência ou saltos de civilidade, ouvir e retratar a juventude mostrou-se uma forma vigorosa de praticar o jornalismo como rascunho da história. Em momentos de crise como o atual, uma pandemia de alto impacto em todo o planeta, esse olhar sobre o universo de meninas e meninos torna-se, mais uma vez, obrigatório.

A partir de depoimentos e estudos realizados em países que começam a sair da quarentena, uma reportagem desta edição revela os efeitos do confinamento nos primeiros anos de vida — a distância dos avós, da escola, das salas de aula, do olho no olho, do corre-­corre no recreio. Não se sabe, com exatidão, quais serão as consequências disso proximamente — mas desenha-se, aqui e agora, a “geração pandemia”. Cabe, sim, o esforço pelo bom senso, sem drama nem exageros. Não seremos os mesmos, é certo, ao término de toda esta experiência. Mas sem dúvida nenhuma temos recursos para tranquilizar a criançada, que, dentro de casa, parece não enxergar com clareza o que virá depois do fim do túnel — aliás, algo que ninguém, nem o mais sábio dos grandalhões, seria capaz de delinear com precisão, ao menos por ora.

A reportagem que se inicia na página 62 se debruça também sobre a propensão dos pequenos para contrair essa terrível doença. Felizmente, para tranquilidade de pais e avós, as crianças são muito menos afetadas pela Covid-19 que os mais velhos. Mas aqui vale ressaltar um ponto de atenção. Começam a surgir alguns estudos que relacionam uma síndrome infantil ao novo coronavírus (poucos casos, porém preocupantes). Embora ainda existam este e outros questionamentos sobre o Sars-CoV-2, um dado é certo: a saída definitiva desta triste situação, que hoje aflige de forma tão intensa o nosso país, será proporcionada apenas pela boa medicina. A ciência, e só ela, é que poderá permitir aos pequenos (e adultos) voltar a circular sem medo.

Estamos, portanto, na antessala da tão esperada novidade que nos consentirá dizer: “Saiamos com segurança”. Quando esse momento vier, será um feito e tanto, uma façanha que se aproximará de um dos capítulos mais bonitos da história da saúde pública: aquele 26 de março de 1953, em que o pesquisador americano Jonas Salk (1914-1995) anunciou pelo rádio o sucesso da vacina contra a poliomielite. Talvez não aconteça amanhã ou depois, no que se refere ao Sars-CoV-2. Mas não vai demorar muito. E essa perspectiva de que logo brotará uma luz dos laboratórios é que autoriza as crianças a intuir que poderão sair correndo por aí, carregando consigo o nosso futuro.

Publicado em VEJA de 27 de maio de 2020, edição nº 2688

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