Carta ao Leitor: A falta de uma terceira via
Na dinâmica da polarização entre direita e esquerda, o centro agora está vazio
Mesmo aqueles que não nutrem pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o mais pálido apreço reconhecem que sua saída da prisão mexeu com o tabuleiro político brasileiro. Embora hoje não tenha condições legais de se candidatar a nenhum cargo, o petista é, de maneira inconteste, o grande líder da esquerda no país, capaz de galvanizar a fatia do eleitorado que se identifica com tal corrente do pensamento. Exatamente por isso, foram bastante preocupantes os primeiros discursos proferidos pelo ex-metalúrgico depois de ter saído da cadeia. Distante do “Lulinha Paz e Amor” e das diretrizes de seu primeiro mandato, o ex-presidente atacou a política econômica do governo de Jair Bolsonaro, muito bem conduzida pelo ministro Paulo Guedes, e fez acenos ao combalido Movimento Sem Terra, em uma tentativa de estimular sua militância mais fiel. O posicionamento não deixou dúvidas de como Lula deverá se comportar daqui para a frente: ele será o anti-Bolsonaro.
Trata-se de um jogo de ganho mútuo para os opostos. Símbolo de uma renovada extrema direita brasileira, o ex-capitão é um dos que mais se beneficiarão diante do atual cenário. Com quase um ano de mandato, muitos de seus eleitores já começavam a se perguntar se os arroubos do presidente da República não representavam um perigo à democracia. Sua capacidade de produzir crises sem motivo e turbulências desnecessárias também já vinha decepcionando uma parcela da população que sabia da inexperiência de Bolsonaro no Executivo antes da campanha, mas confiou que ele adquirisse maturidade no cargo (ou que seus auxiliares conseguiriam domá-lo). No entanto, com a perspectiva de um retorno da esquerda ao poder, o eleitorado que colocou Bolsonaro no Planalto fica mais suscetível a tapar o nariz e seguir ao seu lado. Afinal de contas, essa parcela da população tem fresca na memória a pior recessão econômica da história e os monumentais casos de corrupção provocados pelas administrações petistas.
Na dinâmica da polarização entre direita e esquerda, o centro agora está vazio. Não há um líder que represente uma Terceira Via, proposta revigorada pelo sociólogo inglês Anthony Giddens na década de 90 que reunia liberalismo na economia a preocupações sociais e teve como expoentes Tony Blair e o casal Bill e Hillary Clinton (hoje, a corrente seria representada por Emmanuel Macron, na França). O vácuo, porém, não está na ausência de nomes, e sim talvez no excesso deles. Uns mais à direita, outros mais à esquerda, existem muitos pretendentes a ocupar essa fatia do espectro político — João Doria, Luciano Huck, João Amoêdo, Ciro Gomes, Wilson Witzel. Contudo, nenhum deles conta ainda com estatura eleitoral suficiente para canalizar e seduzir os brasileiros que não estão satisfeitos com a limitação política da dobradinha Lula x Bolsonaro. Faltam discurso, organização nas redes sociais e identificação com a população que se sente perdida diante da beligerância atual — e, por isso, não representada. Nesta edição, uma reportagem de VEJA destrincha as dificuldades do centro para romper a polarização que tomou conta do país e as estratégias que alguns desses aspirantes estão seguindo a fim de chegar lá. Boa leitura.
Publicado em VEJA de 20 de novembro de 2019, edição nº 2661