
Até recentemente existiam no Brasil apenas dois projetos de poder sólidos. De um lado, o do PSDB, que governou o país entre 1995 e 2002, promovendo a estabilização da moeda e controlando a inflação. Do outro, o do PT, que ocupou a Presidência da República por quase catorze anos, entre 2003 e 2016, dando destaque aos programas sociais, que retiraram um contingente importante da população da linha da miséria. Durante mais de vinte anos, ainda que outras forças despontassem nos estados e na cena nacional, a política brasileira era basicamente uma alternância entre aquelas duas legendas. Aí veio a Lava-Jato — e tudo mudou. A operação, que começou em um posto de gasolina em Brasília, se expandiu para crimes de corrupção na Petrobras. Resultado: primeiro, destroçou o PT; depois, alvejou o PSDB (ainda que os petistas tenham sido campeões nos descalabros revelados). A monumental desesperança com as forças políticas até então dominantes abriu caminho para a eleição de Jair Bolsonaro, considerado um nome novo, embora já tivesse três décadas de (apagada) atuação como deputado federal.
Apesar do pouco tempo no olimpo nacional, é inegável que o presidente eleito representa hoje uma corrente importante. Seus valores e frases são repetidos por milhares de seguidores nas redes sociais. Os bolsonaristas, no entanto, não se limitam a manifestações no mundo virtual; encaram também o mundo real, saindo às ruas para defender suas causas — algumas justas e necessárias; outras, ensandecidas. Goste-se ou não, o bolsonarismo se tornou um verbete incontornável no dicionário político brasileiro.
Entre cabeçadas e defecções, o jovem movimento vinha até aqui caminhando em bloco nas questões fundamentais. É verdade que alguns generais caíram, olavistas perderam o emprego e apoiadores viraram inimigos. Nada disso, porém, representou uma ameaça tão grande à coesão do grupo quanto a cisão que hoje se forma no coração do bolsonarismo. A razão? Novamente a Lava-Jato. Não mais a operação conjunta entre Ministério Público e Polícia Federal, e sim o seu desdobramento na política — o chamado “lavajatismo”. Logo após o primeiro turno, os lavajatistas abraçaram o capitão e, entre outros novos apoios, ajudaram a pavimentar sua vitória. Oito meses e meio depois, a despeito das constantes fotografias do ministro da Justiça, Sergio Moro — o herói do lavajatismo —, com o presidente Jair Bolsonaro lado a lado, os estranhamentos são cristalinos.
A briga que neste momento semeia discórdia entre os dois grupos gira em torno da CPI da Lava-Toga, uma criação da tropa que idolatra Moro e cujo objetivo é constranger os ministros do STF. Entretanto, os desencontros têm sido constantes — da saída do Coaf da pasta da Justiça à indicação de Augusto Aras para a PGR. Em tom quase messiânico, os lavajatistas gostam de dizer que suas posições são uma espécie de guerra santa contra a corrupção. Na verdade, trata-se de uma disputa pelo controle do Estado, tendo como pano de fundo a eleição de 2022. O lavajatismo vibra com o nome de Sergio Moro, uma candidatura que, na visão deles, não carregaria o peso das denúncias contra o clã Bolsonaro. O presidente, por sua vez, já percebeu que o ex-juiz tem uma agenda própria em Brasília e declarou que tentará a reeleição. Há quem ainda sonhe com uma chapa Bolsonaro-Moro daqui a três anos, como mostra a reportagem que começa na página 34. Difícil. Os interesses conflitantes não devem arrefecer nos próximos meses. Mas política, como ensinava o ex-governador mineiro Magalhães Pinto, “é como nuvem: você olha e ela está sempre mudando”. Não há dúvida. O céu do bolsonarismo começou a se mexer.
Publicado em VEJA de 25 de setembro de 2019, edição nº 2653
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