Caminho contra o câncer
Tratamento inovador que reprograma as células do organismo alcança resultados extraordinários e abre novas avenidas

O americano Tom Whitehead disse a VEJA ter ouvido dos médicos que a filha, portadora de uma leucemia linfoide aguda, tinha menos de uma chance em 1 000 de sobreviver. Emily Whitehead, hoje com 12 anos, diagnosticada com o câncer desde os 5, não só sobreviveu como se transformou numa bela página da história da medicina. Ela foi a primeira criança do mundo a ser tratada, e curada, com uma inovadora técnica de reprogramação das células de defesa do organismo do próprio doente, com base na manipulação genética em laboratório. Depois da modificação, o sistema imunológico torna-se mais potente e ataca os tumores de forma mais eficaz. O tratamento, batizado de CAR-T, foi aprovado com barulho pela agência reguladora de remédios dos Estados Unidos, a FDA, em agosto. Nascera experimentalmente, foi visto com desconfiança e virou uma certeza. Os resultados das aplicações iniciais da técnica foram extraordinários. Em 52 dos 63 pacientes com idade entre 3 anos e 23 anos houve remissão completa, como no caso de Emily.
Dois meses depois do glorioso anúncio desse tratamento para o câncer infantil, deu-se a aprovação de um medicamento da mesmíssima família, mas para o linfoma em adultos. Há, contudo, desafios fundamentais a ser vencidos. O principal: o valor da terapia é altíssimo — 475 000 dólares (o equivalente a 1,5 milhão de reais). O surgimento de novos fabricantes e descobertas tende a reduzir o preço. Pelo menos dez companhias farmacêuticas têm pesquisas na área com tecnologia semelhante. Atualmente, estão em andamento 400 estudos científicos com o mesmo tipo de manipulação para tumores de rim, ovário, próstata, pâncreas e intestino, entre outros. Trata-se de um fenomenal salto na direção da medicina individualizada, particular, precisa. A possibilidade de alterar a genética da célula, naquilo que nos é incancelável, representa a abertura de uma avenida que, a partir de agora, só crescerá. Há duas décadas os cientistas prometem terapias 100% sob medida. Está chegando a hora. Diz Scott Gottlieb, diretor da FDA: “Estamos desbravando uma nova fronteira na medicina”.
Publicado em VEJA de 27 de dezembro de 2017, edição nº 2562