
O movimento feminista geralmente é descrito em ondas. A primeira foi capitaneada pelas que lutaram pelo sufrágio universal, pelo direito à herança e à propriedade e pelo direito à educação. Estamos falando do século XIX, início do século XX. A segunda onda surgiu em meados dos anos 1960 e durou toda a década de 70. As feministas da época foram responsáveis pela ampliação da agenda do movimento de mulheres. O que, no imaginário popular, faz com que as mulheres sejam socializadas como indivíduos de segunda classe, do segundo sexo? Qual o papel da cultura na manutenção do patriarcado? Como o machismo se reproduz em todos os espaços, conquistando mentes a todo momento e trabalhando pela manutenção da desigualdade de fato e de direitos? A partir dessas questões, inúmeras muralhas que mantinham mulheres sob o jugo dos homens e lhes tolhiam as escolhas foram derrubadas.
Em 1990, o mundo viveu uma nova onda feminista. Foi quando eclodiu a necessidade de pensar a diversidade: não existe a mulher, existem mulheres. Cada uma delas experimenta de maneira distinta sua condição. Data de 1989 o conceito de interseccionalidade, introduzido pela grande Kimberlé Crenshaw. Noção seminal para a terceira onda, a interseccionalidade permite que pensemos as várias camadas de opressão que cada mulher vivencia ao considerar seu gênero, sua raça, sua classe, sua orientação sexual e demais elementos constituintes de sua identidade. Consubstanciados, tais elementos determinam a opressão que se impõe a cada uma de nós. Enfim, chegamos à quarta onda. Nela, observamos o poder do movimento de mulheres que usa as redes sociais para amplificar sua voz. Estamos em guerra contra a cultura do estupro, esse contínuo que vai desde a violência definitiva representada pelo feminicídio até os micromachismos do cotidiano.
No Brasil, a primeira onda do feminismo chegou tarde. Apenas em 1932 as mulheres conquistaram o direito ao voto. A segunda onda ficou represada pela ditadura. Quanto à terceira onda, essa sim o Brasil pôde viver, mas ainda de maneira tímida. A ausência de um movimento de mulheres ativo e altivo nutrido pelas ondas anteriores fez com que a terceira onda não fosse aqui o que foi em muitos outros lugares do mundo. Mas a quarta onda, ah, a quarta onda. Essa é hoje esse tsunami que toma o país e deixa homens reclamando do nosso suposto “mi-mi-mi” — ou seja, atestando que não há argumentos contra as demandas sólidas que estamos trazendo para a agenda nacional.
Por que relembrar essa história? Porque tem candidato à Presidência deste país que diz ignorar o que é o movimento feminista, tem candidato que diz que nossas pautas urgentes são temas “privados” ou “morais” e fogem do escopo de atuação da Presidência da República. Tem de tudo. Mas todos querem nosso voto. E não ignoram, mirando as pesquisas, que ele importa mais do que nunca. Por isso, é bom que saibam: não começamos a nos organizar hoje. E não pararemos de lutar amanhã. Não contem conosco se nós não pudermos contar com vocês.
Publicado em VEJA de 19 de setembro de 2018, edição nº 2600