Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

Apego às armas

Até Trump admite a necessidade de restringir a venda de fuzis de estilo militar para evitar massacres a tiros. Difícil é convencer o Congresso americano

Por Diogo Schelp Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h48 - Publicado em 2 mar 2018, 06h00

O primeiro dia de aula costuma ser marcado pela excitação, pela alegria de rever os amigos e pela expectativa de novos aprendizados. Já o primeiro dia de aula depois de um massacre a tiros é dominado pela necessidade de confrontar-se com as carteiras vazias dos colegas mortos, reunir-­se com os sobreviventes para curar as feridas psicológicas e reconhecer que aquele ambiente nunca mais será o mesmo. Desde 1990, essa situação se repetiu 22 vezes nos Estados Unidos. Esse é o número de tiroteios em escolas em que duas ou mais pessoas foram assassinadas nesse período. Em quatro desses episódios, houve dez ou mais mortos. Na quarta-­feira 28, foi a vez de os adolescentes do colégio Stoneman Douglas, em Parkland, na Flórida, retornarem às aulas, duas semanas depois que um ex-aluno invadiu o estabelecimento e matou dezessete estudantes e funcionários a tiros de fuzil. A dor enfrentada pelos jovens do Stoneman Douglas é semelhante à de outros que viveram o mesmo trauma em ataques anteriores, mas há uma diferença: já nas primeiras horas após o massacre eles assumiram a missão de transformar a sua tragédia em um marco na luta contra as leis que fazem dos Estados Unidos o país com a maior proporção de armas de fogo por habitante do mundo. “Eles dizem que leis mais rígidas sobre armas não previnem a violência com armas. Mentira!”, discursou a sobrevivente do massacre Emma Gonzalez, de 18 anos, em um protesto organizado para fazer pressão sobre legisladores.

A disposição de abraçar a causa do controle de armas com tenacidade demonstrada pelos alunos de Stoneman Douglas impressionou até o presidente Donald Trump, que declarou, num lapso de bom-senso: “Nós não queremos esperar duas, três ou quatro semanas até que as pessoas se esqueçam do que aconteceu e outros problemas surjam. Nós temos de impedir que essas coisas aconteçam”. Ele se referia a tiroteios em massa em geral, não apenas em escolas, e passou a enumerá-los: “Columbine, Colorado (treze mortos). Bill Clinton era presidente. Virginia Tech, George Bush (32). Fort Hood (treze), Sandy Hook (26), San Bernardino (catorze), boate Pulse (49) e muitos outros. É ridículo”. O que Trump classificou acertadamente como ridículo é que, apesar dessa sequência de massacres, na maioria cometidos com fuzis parecidos com os que são usados em guerras, o Congresso, capturado pelo lobby armamentista, se revela incapaz de aprovar leis que reduzam o risco de os atiradores comprarem armas com alto poder de fogo. Desde o massacre de Sandy Hook, em 2012, que vitimou principalmente crianças de cerca de 7 anos, mais de 100 leis de controle de armas foram apresentadas no Congresso. Nenhuma foi aprovada.

Três fatores explicam a incapacidade dos políticos dos EUA de impor regras mais rígidas para a compra de armas: o federalismo americano, o lobby de fabricantes e proprietários e a opinião pública. A eles:

• O federalismo nos Estados Unidos dá muito mais autonomia aos estados do que acontece no Brasil. O grau de facilidade com que se compra uma arma de fogo varia muito entre os estados. Illinois, por exemplo, adota regras rígidas: os proprietários precisam ser cadastrados e ter atestado negativo de antecedentes criminais. Mas, no estado vizinho, Indiana, pode-se comprar uma arma usada com a mesma facilidade com que se adquire um cortador de grama. Não por acaso, 60% dos crimes ocorridos em Chicago, a maior cidade de Illinois, são cometidos com armas que vieram de fora do estado. Em tese, isso poderia ser resolvido com leis de alcance nacional, mas elas enfrentariam a resistência dos políticos locais ou poderiam ser barradas pela Justiça se ferissem o princípio de autonomia estadual. Na segunda-feira 26, Trump teve um gostinho disso em um encontro com governadores para tratar dos massacres nas escolas. Ele insistia em sua ideia controversa de armar e treinar professores para enfrentar futuros atiradores. A opinião dos governadores a esse respeito era tão díspar que, ao final, Trump disse: “Vão e façam como quiserem”.

Continua após a publicidade

• Os defensores do controle de armas nos Estados Unidos têm um vilão muito bem definido: a Associação Nacional de Fuzis (NRA, na sigla em inglês), que faz lobby pesado e poderoso pelo direito ao porte de armas no país. O argumento recorrente é que muitos legisladores se recusam a criar leis contra as armas porque são financiados pela NRA. De fato, a entidade e suas organizações afiliadas gastaram 54 milhões de dólares nas eleições de 2016 para garantir o controle republicano no Congresso e da Casa Branca. A campanha de Trump recebeu 30 milhões de dólares.

• Além do receio de perder doações, os políticos temem perder votos, pois ainda é expressiva a parcela de americanos que defendem a venda livre de armas. A proporção daqueles que querem um controle mais rígido da venda de armas vem aumentando gradativamente nos últimos anos, e hoje está em 46%. Mas, somando-se os que gostam de como as coisas estão atualmente com os que querem até mais liberdade de venda de armas, essa massa soma 47% — 1 ponto porcentual a mais (veja o quadro acima).

Publicado em VEJA de 7 de março de 2018, edição nº 2572

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.